Há duas semanas, publiquei a primeira parte sobre a psicologia em Divertida Mente (2015) de Pete Docter. O longa da Disney apresenta-se como mais do que uma animação, mas também uma aula de neuropsicologia. Ao longo da trama, somos apresentados a conceitos complexos, mas de maneira acessível. Isso torna o filme um deleite para o público infantil, adultos e alunos e profissionais da área de psicologia. Preparados? Hora da leitura sobre memórias base e o inconsciente cognitivo em Divertida Mente.
As ilhas de personalidade
No início do filme, através da narração da Alegria, acompanhamos o nascimento de Riley. Por serem primárias, a Alegria e a Tristeza concedem a nossa protagonista suas primeiras emoções. Com isso, nos é apresentado o conflito e a dualidade da Alegria e da Tristeza, emoções humanas primordiais e contrastantes. Após esse primeiro momento, pouco a pouco somos apresentados a Raiva, Medo e também ao Nojo que, assim como as emoções primárias, fazem parte da psique de Riley — e de todo ser humano.
Outro ponto importante, inserido ainda no começo do filme, são as memórias base. Pequenas orbes amarelas e brilhantes que representam as memórias mais importantes para Riley, que serão cruciais para a construção da personalidade da protagonista — no filme representada por “ilhas”. As memórias base são memórias a longo prazo e que são possíveis de serem resgatadas a qualquer momento. São experiências e informações codificadas com maior importância — coisas que estudamos com maior atenção, sendo possível reter por mais tempo dentro da nossa memória. Riley possui cinco ilhas de personalidade:
- Ilha da família: detém tudo o que Riley sente sobre a sua família, seja raiva, amor, saudade ou um pensamento referente ao seu núcleo familiar;
- Ilha da honestidade: que contém o senso moral e ético de Riley;
- Ilha da bobeira: onde se encontram o humor, brincadeiras e parte da personalidade extrovertida da protagonista;
- Ilha do hóquei: onde o seu amor pelo hóquei é encontrado, assim como a dedicação ao esporte — hobby;
- Ilha da amizade: lugar onde tudo que se refere a amizade e a criação de elos fora da família está.
O perigo das rachaduras nas ilhas
Essas cinco ilhas constituem a personalidade de Riley e exemplifica suas bases morais, éticas e comportamentais. Por isso, após perder a Alegria e a Tristeza, as ilhas racham. Isso representa um grande perigo para a formação da personalidade de Riley. Ficando evidente na preocupação de ambas emoções primárias para o retorno imediato a sala de controle, onde a Alegria e a Tristeza deveriam estar.
O inconsciente cognitivo
O termo “inconsciente cognitivo” foi cunhado por John Kihlstrom em 1987, na publicação de um artigo para a revista Science. O modelo apresenta-se como uma saída ao inconsciente dinâmico concebido e popularizado por Sigmund Freud (1856 -1939), onde nossos desejos e repressões alojam-se em uma parte não acessível da nossa psique. No inconsciente cognitivo, o funcionamento mental envolve processos conscientes e inconscientes. Mesmo que não saibamos do nosso processamento de informação, entendemos seu resultado. Uma analogia interessante é pensar na metáfora do iceberg.
Na ponta, a parte visível encontra-se à vista, é o consciente. Abaixo, tudo que não é visto, o inconsciente. Resumindo, mesmo que Riley não entenda que a falta da Alegria e da Tristeza em sua sala de controle – o cérebro -, ela ainda sente o resultado do processo dessa informação. A falta de suas emoções primárias resulta no controle das secundárias – dentro da trama -, no filme, representadas pela Raiva, Medo e Nojo. No entanto, toda e qualquer tomada de decisão de Riley será baseada nessas três.
O funcionamento
Vemos isso durante o jantar em que Riley enfrenta seus pais, sendo tomada pela Raiva — onde podemos analisar como a frustração de Riley nesse momento culmina em uma explosão. Kihlstrom acredita que o cérebro humano opera atividades complexas de forma inconsciente, mas que se torna consciente devido ao processamento dessas informações, mesmo que não estejamos cientes de todo esse funcionamento.
Uma grande síntese do inconsciente cognitivo de Riley no longa é a ação de suas emoções na sala de controle. Enquanto espectadores, assistimos o desenrolar dos conflitos internos de Riley. Ou seja, o processamento de informações baseia-se na discussão sobre como tomar a decisão e quem será o responsável por ela – Raiva, Tristeza, Alegria, Nojo ou Medo -, assumindo o controle principal. Com isso, Riley irá transformar essas informações em uma fala ou ação, mas não saberá como ela chegou a isso. Ela apenas ira sentir. Porém, nós vimos o desenrolar da situação. O inconsciente cognitivo funciona dessa forma.
Para deixar mais claro, pense naquele seu momento no banho, aparentemente normal e rotineiro. Porém, em uma fração de segundo você tem a resposta para algo, a resolução de um grande problema, mesmo que você não esteja pensando nele. Todo o seu processamento inconsciente foi realizado, tornando a informação consciente. É o que vemos no filme. O funcionamento em tela do inconsciente cognitivo.