A identificação com os personagens está presente na vida de qualquer fã de cultura geek. Cada persona criada para essas histórias carrega arquétipos análogos ao nosso eu — seja ele o ideal ou o real. Sendo assim, resolvi mergulhar sobre a minha relação com os meus personagens favoritos e as obras a qual eles pertencem, parafraseando com os momentos da minha vida e da minha personalidade.
A ideia desse texto nasceu durante uma sessão de terapia, onde me foi perguntado quais eram os personagens que eu mais me identificava, assim como os motivos para tal. De primeira, a minha resposta foi o cabeça de teia, o Espetacular Homem-Aranha. Depois, citei Scott Pilgrim, Hal Jordan, entre outros. Por isso, resolvi descer ainda mais no meu eu, entendendo como esses personagens impactaram minha visão de mundo. Talvez esse seja o texto mais pessoal que já escrevi na coluna.
Peter Parker e a sua realidade
Quando criança, achava sensacional que o Homem-Aranha fizesse piadas enquanto desviava de um carro jogado em sua direção pelo Rino. Na adolescência, embarquei direto nas narrativas jovem-adultas de “A Última Caçada de Kraven” e “Homem Aranha: Azul” — que inclusive possui uma análise crítica aqui na coluna. Independente da época, me sentia contemplado nas histórias do cabeça de teia. Peter Parker submete-se a uma rotina que muitos se identificam.
A corrida pelo sonho de ser alguém, em contraponto com as dificuldades de ser uma pessoa residente de um subúrbio, o faz meu herói favorito. Fora que, me identifico na parte em relação às responsabilidades de Peter — claro, sem a parte de levantar uma tonelada ou possuir um sentido aranha.
A questão do amparo dele para com a Tia May, a constante corrida para a conciliação entre trabalho e faculdade e, claro, os problemas de todo adolescente, o amor e a descoberta de novos sentimentos. Sem contar que Peter carrega o mundo nas costas. Me senti assim boa parte da minha adolescência possuindo responsabilidades de um adulto, porém, sem a inteligência emocional para lidar com o mundo. É como se Stan Lee e Steve Ditko entendessem uma geração, e também as que estão por vir.
O cinismo de Scott Pilgrim
Eu sabia que possuía algo do Scott em mim — e rezava para que não fosse a parte ruim. “Scott Pilgrim vs The World” (2004) de Bryan Lee O’Malley foi um marco na minha adolescência, acredito que já tenha relido mais de 15 vezes. No entanto, penso até hoje sobre qual a leitura que fiz da obra, uma vez que toda vez que releio sinto que absorvi algo diferente. Claro, o título não é um clássico da nona arte, mas nutro um carinho especial para com as páginas de devaneios e piadinhas de duplo sentido do Scott.
O principal ponto que me vejo no personagem é a questão da fuga dos problemas reais. Ao longo da obra, Scott foge de toda discussão pesada e aprofundada sobre a sua vida, principalmente a amorosa. Quando o diálogo existe, o protagonista recheia a conversa de cinismo e sarcasmo, um traço clássico de quem reprime os sentimentos reais, fazendo com que eles fiquem imersos dentro de você. Por isso, em um momento da história, para crescer como pessoa, Scott precisa enfrentar uma versão sua que carrega todo sentimento pesado e reprimido.
É interessante como ele acaba moldando suas histórias do passado para caber dentro da sua versão da realidade. Antes de iniciar as sessões de psicoterapia, eu me via exclusivamente dentro dessa ilusão. Moldava o mundo para caber dentro daquilo que eu gostaria que fosse acontecer, onde eu tinha a liberdade do roteiro, escrevendo a realidade como bem entendesse.
A inocência destrutiva de Gon Freecss
Existem muitas coisas que gostaria de falar sobre “Hunter X Hunter” (1998) de Yoshihiro Togashi. Porém, nesse texto, serei breve, pois acredito que possam sair inúmeras pautas futuramente sobre a obra. Esse foi o primeiro mangá que li por inteiro — antes dessa volta repentina do Togashi para o título. Sempre achei incrivelmente genial a forma que o autor trabalha as habilidades, sendo o Nen um dos meus conceitos preferidos em relação aos poderes que um shounen apresenta.
É como se cada habilidade representasse uma parte psicológica dos personagens. Por isso, sempre achei que a força destrutiva do Gon fosse a melhor representação da ausência de um outro na vida de alguém — além do personagem enfrentar feras insanas na Ilha da Baleia. Essa falta se apresenta como a busca pelo poder enquanto força para encontrar esse outro. É exatamente o ponto do qual me reconheço nele. Porém, não necessariamente na falta do outro como um familiar, mas como a minha própria personalidade.
Durante a minha infância e adolescência, fiz parte de diversas tribos da época para encontrar quem era o Lucas real. Aquele que poderia ir atrás de seus sonhos e que não precisaria de afirmação nenhuma para se colocar no mundo. Quando Gon parte da ilha da baleia atrás do Ging, ele deixa para trás uma vida da qual não faz mais parte. Dessa forma, o personagem começa a sua jornada em busca de alguém do qual necessita de uma resposta. Foi exatamente o que fiz e fico feliz de, assim como o Gon, conseguir encontrar essa resposta, mesmo que tenha levado anos.
Não para por aqui
Esse texto é um modelo de um quadro que gostaria de trazer para a minha coluna. A ideia baseia-se em utilizar obras e personagens dentro de uma análise possível da realidade, correlacionando pautas sobre a minha vida, como a enxergo e tudo o que rodeia essa visão. Então, fique atento, na próxima gostaria de trabalhar personagens mais densos e conceitos mais pesados em relação A Vida, O Universo E Tudo Mais!