Voltamos a mais uma temporada de animes, a dos isekai
O gênero Isekai, que significa literalmente “outro mundo” em japonês, consolidou-se como um dos pilares mais populares dos animes nas últimas décadas. Sua proposta, transportar personagens comuns do mundo real para universos paralelos, repletos de magia, monstros e sistemas de RPG, oferece ao público uma experiência escapista envolvente. Muitas vezes conectada ao desejo de recomeçar, vencer desafios grandiosos e alcançar uma forma idealizada de existência. Ao longo do tempo, o gênero passou por diferentes fases de popularidade, moldadas por mudanças culturais, tecnológicas e mercadológicas.
Embora o termo isekai tenha ganhado notoriedade apenas nas últimas décadas, sua essência narrativa é muito mais antiga. Clássicos da literatura japonesa e mundial já apresentavam ideias semelhantes de jornadas a outros mundos. Como o conto folclórico Urashima Tarō, em que um pescador é levado ao reino subaquático do dragão. Ou ainda influências ocidentais como Alice no País das Maravilhas e O Mágico de Oz.
Nos animes, as primeiras manifestações do gênero apareceram ainda nos anos 80 e 90, com obras que hoje são consideradas pioneiras. Aura Battler Dunbine (1983), por exemplo, de Yoshiyuki Tomino (criador de Mobile Suit Gundam), já trazia um protagonista transportado de Tóquio para o mundo fantástico de Byston Well. Em seguida, séries como Fushigi Yûgi (1995), El-Hazard (1995) e The Vision of Escaflowne (1996) expandiram a base do gênero. Aonde mesclavam fantasia, romance e aventura em tramas envolventes que cativaram o público da época. Esses títulos introduziram o conceito de portais místicos, reinos em guerra e protagonistas que se tornavam figuras-chave em mundos desconhecidos, elementos que se tornariam centrais no isekai moderno.
O boom dos anos 2000 e a Era de Ouro

A transição para os anos 2000 viu uma diversificação tímida do gênero, com obras como Inuyasha (2000), onde a protagonista é levada ao Japão feudal com elementos sobrenaturais. Ou Digimon (1999), que transportava crianças para um universo digital. No entanto, o verdadeiro ponto de virada veio em 2012 com o sucesso massivo de Sword Art Online. Embora tecnicamente seja classificado como isekai invertido (já que os personagens entram em um jogo virtual sem deixar o mundo real por completo), a série popularizou elementos como mundos baseados em RPG, mecânicas de níveis, sistemas de magia e lutas contra chefes.
Com sua estética moderna, animação de ponta e uma trama que misturava ação com romance e drama psicológico. SAO se tornou um fenômeno e inspirou uma onda de novas produções. O sucesso abriu caminho para títulos como Re:Zero – Starting Life in Another World (2016), conhecido por sua abordagem sombria e ciclos de morte e recomeço. No Game No Life (2014), com sua lógica baseada em jogos e quebra de regras. E Overlord (2015), que inverte a perspectiva ao colocar o protagonista no papel de um poderoso vilão.
A saturação e a reinvenção

Entre 2015 e 2020, o isekai alcançou um nível de popularidade tão grande que passou a dominar as temporadas de animes. A fórmula se tornou quase previsível, protagonista morre ou é invocado, adquire poderes extraordinários, forma um harém e se torna a figura central de um mundo de fantasia. Embora eficaz em termos de audiência, essa repetição começou a gerar críticas e desgaste criativo.
Em resposta, alguns estúdios passaram a brincar com os clichês do gênero, como KonoSuba: God’s Blessing on This Wonderful World! (2016), que satiriza todos os elementos convencionais de maneira irreverente. The Rising of the Shield Hero (2019), que adiciona camadas de conflito ético e injustiça social à narrativa. Obras como That Time I Got Reincarnated as a Slime (2018) também propuseram variações, transformando o protagonista em uma criatura não-humana e explorando a construção de um novo mundo com toques de política e diplomacia.
O isekai na atualidade: novos caminhos e maturidade

Nos anos mais recentes, o gênero passou por uma fase de amadurecimento. Títulos como Mushoku Tensei: Jobless Reincarnation (2021) revisitam a premissa básica do isekai com uma abordagem mais introspectiva, focada no desenvolvimento do protagonista desde a infância e nos dilemas morais envolvidos em sua jornada. Já animes como Uncle from Another World (2022) subvertem as expectativas ao explorar o que acontece depois da aventura, misturando humor e crítica à nostalgia gamer.
Além disso, o sucesso de plataformas de streaming como Netflix, Crunchyroll e Amazon Prime ajudou a espalhar o isekai para além do Japão, tornando-o um dos gêneros mais assistidos globalmente. Isso incentivou a produção de histórias com perspectivas mais variadas, incluindo protagonistas femininas, cenários contemporâneos e até isekai reversos, nos quais personagens de mundos fantásticos vêm parar no nosso mundo.
O isekai, portanto, permanece como um espelho do imaginário moderno, refletindo sonhos de redenção, fuga da realidade e superação pessoal. Seus altos e baixos acompanham as mudanças de expectativas do público e o dinamismo da indústria de animação. De raízes literárias ancestrais às superproduções contemporâneas, o gênero demonstra uma incrível capacidade de adaptação e reinvenção. Se hoje o isekai já não domina com o mesmo impacto avassalador de alguns anos atrás. Mas, ainda é impossível ignorar sua força criativa, seu apelo comercial e sua importância na construção do cenário atual da animação japonesa.
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