Neste dia 12 de maio, comemora-se o Dia das Mães, uma data um tanto quanto comercial, mas com o intuito de dar os holofotes às figuras maternas. E nada mais justo: afinal, sabemos que ser mãe vai muito além do que é representado nos contos de fadas, filmes e em toda a ficção. A maternidade é um processo que marca a vida, podendo ser muito mais complexo do que mostrado nos filmes e séries. Porém, por muitas vezes a ficção esquece de apresentar o lado real em ser mãe.

Isto é, ser mãe vai muito além da relação de Dona Can com o pequeno Guru (em Ursinho Pooh). Envolve camadas e mais camadas, uma mais complexa que outra. Não basta apenas dar carinho, mas também precisa incentivar a explorar o mundo, proteger e educar. Ao mesmo tempo, batalhar diariamente para conseguir ajudar nas despesas da família, tal qual a Rebbeca Pearson (Mandy Moore) de This Is Us, ou então a Penelope (Justina Machado) do seriado One Day At a Time.

“É literalmente impossível ser uma mulher. (…) Tipo, temos que sempre ser extraordinárias, mas de alguma forma estamos sempre fazendo isto errado (…) Você tem que ter dinheiro, mas não pode pedir dinheiro porque isso é grosseria. Você tem que ser um chefe, mas não pode ser má. Você tem que liderar, mas não pode esmagar as ideias dos outros. Você deveria amar ser mãe, mas não fale sobre seus filhos o tempo todo. Você tem que ser uma mulher de carreira, mas também estar sempre cuidando de outras pessoas. (…)”

Sim, no longa, sua personagem se refere às dificuldades em que é ser mulher. Contudo, seu monólogo pode muito bem ecoar no significado de ser mãe. 

Ficção x realidade

dia das mães reais
Imagem: Daria Obymaha

No entanto, apesar das tentativas do audiovisual em representar a maternidade, as lacunas entre a ficção e a realidade ainda são muitas. Isso porque, em grande parte das representações da mídia, se exalta apenas os belos momentos entre mãe e filho, deixando de lado as dificuldades do dia a dia.

É o que vive a mãe solo Lorena Freitas, revisora de textos de 35 anos da capital mineira. Para ela, essa representação cria uma expectativa irreal de que a maternidade é sempre bela e repleta de realizações. “A realidade da maternidade é muito diferente da representação que vemos nos filmes. Nos filmes, as mães são sempre lindas, com carreiras de sucesso e filhos perfeitos. Na vida real, estou sempre com o cabelo pra cima, olheiras de panda e vivendo no automático”, ela conta.

A maternidade e os desafios da saúde mental

Em 2020, um estudo realizado pela Universidade de Brasília apontou um fenômeno delicado e preocupante que ocorre durante a maternidade solo. Segundo o estudo, mães solos precisam ficar atentas não só a vida de seus filhos, mas também a sua própria saúde mental. Ainda, conforme o estudo, uma a cada oito mulheres, entre 18 e 60 anos no mundo, é mãe solteira. Sendo que a tendência é que este número aumente ainda mais nos próximos anos. 

Contudo, é importante ressaltar que ser mãe solo não significa que a mulher desenvolverá algum transtorno. Na verdade, este é apenas um elemento em meio a um conjunto de fatores que propiciam um causador do problema. Assim, o real causador da preocupação é outro: a sobrecarga de responsabilidades. 

Dessa maneira, tal sobrecarga é fruto de diversos fatores que acompanham a maternidade solo em si, como “baixa renda, baixa escolaridade e trabalhos precários que podem estar relacionados a maiores dificuldades no acesso a uma alimentação adequada gerando insegurança alimentar e nutricional”, entre outros fatores.

Assim, este conjunto por si só pode engatilhar problemas de saúde mental e emocional na mãe. Dentre os mais conhecidos sintomas, o estudo aponta a depressão, ansiedade, crises de pânico, e até mesmo ideações suicidas como algumas das principais consequências da sobrecarga. 

O apoio é uma necessidade para a saúde

preciosa filme mãe
Imagem: Reprodução

Para se ter uma ideia, uma personagem que ilustra esse fenômeno é a personagem de Gabourey Sidibe em Preciosa – Uma História de Esperança (2009). O longa aborda um leque de temáticas diferentes, mas a principal é o fato de como a protagonista Claireece  passa por momentos conflitantes e desafios contínuos, sendo ainda jovem e mãe solo.

Portanto, a maternidade por si só é um período que precisa de atenção e suporte. As mudanças de perspectiva de vida e de rotina são algumas das novas mudanças que poderão ocorrer na vida da mãe, juntamente com novos desafios. Assim, uma rede de apoio é sempre bem-vinda para desenvolver forças neste momento, tal qual Claireece conseguiu ao longo do filme. 

Nova rotina

Nesse sentido, outro grande desafio da maternidade se faz a partir do momento em que a mãe precisa retornar aos compromissos habituais em paralelo à dinâmica maternal – o que nem sempre é fácil. “Minha vida simplesmente virou de ponta cabeça após me tornar mãe. A rotina mudou, o tempo se tornou mais escasso e as prioridades foram reorganizadas”, desabafa a revisora de textos.

Assim, essa realidade implica em diversas áreas da vida. Na experiência de Lorena, por exemplo, a cobrança para equilibrar todas as funções se tornou um desafio: “Dormir virou um artigo de luxo para mim, não existe equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, existe apenas trabalho, pressões sociais e autoexigência”, desabafa.

“Minha existência gira em torno de cuidar, nutrir e educar outra pessoa. Essa mudança impactou minhas relações sociais, carreira e até minha identidade, exigiu uma redefinição das minhas necessidades em função dos meus filhos.”

– Lorena Freitas

Se adaptar a uma nova realidade e encontrar um equilíbrio na rotina é um grande desafio para as mães, e ele se torna ainda maior nos casos de mães solo. 

this is us
Imagem: Reprodução

Conforme o estudo “Arranjos Familiares e Mercado de Trabalho”, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, o número de lares administrados por mães solo cresceu 17,8% em uma década, alcançando o total de 11,3 milhões no 4º trimestre de 2022.

Outro dado que este estudo apresenta é que 72,4% das mães solo vivem em domicílios monoparentais, isso significa que esse lar é composto apenas por elas e seus filhos. Como nesses casos não há outras pessoas convivendo junto para dividir as responsabilidades da casa, esse equilíbrio na rotina se torna muito difícil de ser alcançado.

Identidade sem o “mãe” antecedendo o nome de registro

É fácil imaginar então, nesse contexto, um grande desafio na manutenção da relação da mulher com as atividades referentes à individualidade, como o simples ato de ir ao cinema, ler um livro ou jogar conversa fora com os amigos. Para onde vai à mulher antes de ser mãe?

É aqui que a rede de apoio se faz valiosa. É composta por um grupo de pessoas de confiança da mãe, com quem ela pode dividir responsabilidades. Com isso, ela pode encontrar momentos de descanso ou autocuidado, de maneira a “manter um equilíbrio saudável entre cuidar dos filhos e viver sua identidade sem o “mãe” antecedendo o seu nome de registro”, como aponta a revisora de textos. 

Infelizmente, esse não foi o caso de Lorena: “Tive poucas pessoas com quem contar”, desabafa. “Muitas vezes eu precisava apenas de uma boa noite de sono, ou um tempo sozinha sem estar cuidando, mas isso parecia ser uma possibilidade difícil de se entender”, acrescenta a belo-horizontina. E ainda conclui: “Ser mãe é se colocar em segundo lugar sempre”. 

Portanto, ser Mãe vai muito além de um título. Devemos dar valor a mulher que renunciou a uma vida cheia de vontades próprias para ser responsável por outra pessoa. Não pense que é uma tarefa fácil, só por assistir a um filme ou uma série e nela tudo era perfeito, pois não é. Cada mulher tem uma experiência, porém, uma coisa é praticamente certa: ser mãe é desafiador.

One day at a time
Imagem: Reprodução

Reportagem por:

Daniel Augusto S. Peres; Giovanna Affonso; Giovanna de Souza; e Nathália Fernandes