Nos últimos tempos saíram notícias sobre como alguns catálogos de jogos clássicos não estão mais disponíveis de maneira oficial. Isso significa que não há como adquirir cópias físicas ou digitais diretamente das publicadoras originais, ou seja, se não fosse pela preservação de jogos, essas obras não existiriam mais.
No final das contas, não é bem assim pois na internet há mídias físicas usadas e quase todos os jogos preservados digitalmente. Isso graças aos esforços de uma comunidade que guarda esses jogos e os mantém atualizados, com mods de melhoria, traduções não-oficiais e suporte contínuo.
O único “problema” disso é que essa prática se enquadra como pirataria. Considerada crime pela lei e alvo de diversos processos por grandes empresas, como a Nintendo, que é notória em suas medidas contra essas pessoas. Recentemente ela condenou Gary Bowser, do grupo Team Xecuter a prisão e após cumprir um tempo, ele precisou pagar 10 milhões de dólares à empresa. Isso não foi possível e o acordo é que Gary pague cerca de 30% de sua renda mensal à empresa para o resto da vida.
Porém mesmo na margem da lei, é graças a essa preservação online que temos acesso a títulos que não estão mais disponíveis de maneira oficial. Existem suspeitas que a própria Nintendo utilizou ROMs (arquivos extraídos dos jogos originais) em seu serviço de emulação, o Virtual Console.
Ainda assim, o dilema da emulação continua, porém será que existem esforços legais para preservar a memória dessas obras?
O status da mídia “videogames”
Ao contrário das outras mídias que recebem reconhecimento cultural, videogames enfrentam resistência devido ao pouco tempo de vida e à impressão de que só servem para diversão rápida. A diversão tem sim seu lugar, mas essa generalização vem de um lugar depreciativo e não procede. Existem experiências interativas que aliam diversão com narrativa ou fazem até o contrário, criam experiências opressoras e desagradáveis para contar suas histórias.
Mesmo com vários jogos sendo bem aclamados pelo público e queridos por trazerem novas possibilidades, ainda são tratados por muitos apenas como mercadorias, principalmente pelas empresas, pois essas propriedades intelectuais possuem potencial financeiro, que é aproveitado em remasters e remakes. Nisso, os trabalhos de preservação de jogos nem sempre são fáceis, pois enfrentam resistência devido ao protecionismo ou conflito de interesses.
Retrocompatibilidade, Remakes e Remasters
Alguns jogos queridos ainda estão presos em suas respectivas plataformas de lançamento, como é o caso de Metal Gear Solid 4 no PS3. A própria lógica dos consoles de videogame provoca isso, pois a cada geração temos um hardware diferente que funciona apenas com discos próprios. O bom é que esse fator mudou na geração atual com a retrocompatibilidade, garantindo que toda uma biblioteca construída no XONE/PS4 continue disponível.
Os remakes, embora sejam produtos diferentes, podem gerar a curiosidade em jogos antigos. Em relação à preservação de jogos, o que em muitos casos se tem é uma versão nova sem preocupação em disponibilizar a original. Demon’s Souls, original de 2009 e remasterizado em 2020 pela Bluepoint, continua com o original presente apenas no PS3, sem previsão de relançamento. No caso não há o trabalho de preservação e sim um novo produto partindo de uma base pré existente, desconsiderando a importância de trazer também a mídia original.
Dois exemplos de versões remasterizadas que preservam o material original são o de Day of the Tentacle e o de Full Throttle, pela Double Fine Productions. Além de conter o material original dos jogos ainda acrescentam comentários dos criadores sobre a produção e permitem alternar entre os gráficos novos e remasterizados. Não obstante, Day of the Tentacle possui dentro dele outro jogo, o Maniac Mansion, lançado para NES, predecessor do jogo citado.
Esforços oficias de preservação
Existem empresas que surgiram justamente da vontade de manter essa biblioteca viva e proporcionar essas experiências para as gerações atuais, como é o caso da Nightdive. Ela surgiu porque um casal queria jogar System Shock 2 em uma viagem na Guatemala e descobriram que não havia nenhuma maneira de adquirir o jogo, além de que o cd que tinham não era compatível com as versões modernas do Windows. Então resolveram comprar os direitos de publicação do jogo e o relançaram em lojas digitais, com melhorias de performance e adaptações para os sistemas modernos.
Além do trabalho com System Shock 2, a empresa foi além e em 2015 lançou System Shock: Enhanced Edition, uma remasterização do jogo clássico com controles modernos de câmera, sprites mais refinados da versão de Mac, suporte à widescreen e correção de bugs. A cereja do bolo é que ao adquirir essa versão, também é adicionado à sua biblioteca o jogo original e os manuais que vinham na caixa do jogo, mantendo viva a história do primeiro lançamento mas garantindo uma versão mais condizente com a tecnologia atual.
Também existem serviços de assinatura de emuladores, que apresentam uma vasta biblioteca por uma mensalidade, como o Antstream, que recentemente foi adicionado ao Xbox. É possível encontrar diversos emuladores diretamente no navegador também, onde o site fornece o serviço de emulação e o usuário usa suas roms.
Outra instituição muito importante para a história do meio é a Video Game History Foundation, uma organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos. A VGHF tem vários projetos dedicados à preservação de jogos, como construir uma biblioteca para o estudo de jogos com revistas, publicações acadêmicas, códigos fonte e restauração de mídias físicas. Tudo isso de maneira pública e contínua.
Qual será o próximo passo da preservação de jogos?
A pesquisa mencionada no início do texto, feita pela Video Game History Foundation, é a primeira relacionada à preservação de jogos. Esse já foi um passo importante por trazer à tona essa discussão e conscientizar os consumidores dessa questão. Entender que um jogo digital não é 100% sua propriedade e está a mercê do suporte da empresa já é outro fator que ajuda a exigir medidas de preservação e disponibilidade de todas essas mídias. Não reconhecer a importância da arte de sua época é arriscar jogar fora o valor cultural de uma época e consequentemente, a própria história de uma sociedade.