Em um mundo cada vez mais digital, as redes sociais tornaram-se uma parte integrante de nossas vidas. Mas qual é a idade correta para as crianças começarem a usar essas plataformas? Esta questão tem gerado debates acalorados entre pais, educadores e especialistas em saúde mental. Nesta reportagem, vamos explorar os prós e contras do uso de redes sociais por crianças, as regras existentes e as medidas que os pais podem tomar para garantir uma experiência online segura e saudável para seus filhos.
A internet, embora seja uma valiosa ferramenta de aprendizado, oferecendo recursos para pesquisas escolares e jogos interativos, além de facilitar a comunicação com amigos e familiares, também pode apresentar perigos quando usada sem a supervisão adequada. Os riscos incluem exposição a conteúdos violentos ou proibidos, disseminação de notícias falsas, sequestros, entre outros perigos.
Classificações oficiais de idade nas redes sociais mais populares
De modo geral, algumas das redes sociais mais famosas, como Facebook, Instagram, X, YouTube e TikTok, tentam apresentar um ambiente seguro para seus usuários. Dessa forma, em seus termos de uso, essas redes sociais pregam uma idade mínima que o usuário deva ter para então poder criar sua conta.
Além das próprias redes, o governo brasileiro também já estipulou uma idade mínima para uso das redes sociais. Segundo o Projeto de Lei n° 2628, de 2022, é proibido a criação de contas em ambientes digitais para usuários com 12 anos ou menos, como já ocorre para a maioria dos aplicativos em si.
Além disso, a PL ainda exige que as redes sociais criem mecanismos que protejam os ambientes digitais aos jovens. Assim:
“[…] contas com mais de um milhão de usuários menores devem elaborar relatórios semestrais sobre os canais e quantidade de denúncias e o tratamento dado. […] Segundo a proposta, deve ser garantida, como padrão, configuração em modelo mais protetivo disponível quanto à privacidade e à proteção e privacidade de dados pessoais.”
Fonte: Agência Senado
Portanto, as principais redes sociais no Brasil já se adequam a esse formato, variando em alguns pontos quanto a experiência em si. Mas, de modo geral, todas elas sendo destinadas oficialmente a apenas usuários maiores de 13 anos de idades. Com exceção do YouTube, o qual permite a criação de contas para menores de 13 anos. Porém, nesses casos, liberado apenas canais do público infantil, via YouTube Kids. Ainda, segundo o YouTube, a plataforma só será liberada na íntegra aos usuários menores de 13 anos com a seguinte condição: “A criança poderá usar o YouTube se você tiver ativado a supervisão para uma Conta do Google já existente.”
Impacto da presença de menores nas redes sociais
O acesso às redes sociais tornou-se comum entre as pessoas, no entanto, ao longo dos anos houve um acréscimo de crianças e adolescentes usando esse espaço. O crescente número do público menor de idade nas redes é inevitável e proibir não é o melhor caminho para diminuir os acessos. Dessa forma, os pais precisam monitorar o que seus filhos consomem na tela do celular, computador ou tablet.
O sociólogo Guilherme Mota reflete sobre o aumento de jovens na internet e o impacto que esse crescente número tem gerado na sociedade.
A internet revoluciona nosso padrão de sociabilidade nessas duas primeiras décadas do Século 21, as novas formas de se relacionar com o mundo estão marcadas pela internet, pelos usos das inteligências artificiais, pelo padrão de sociabilidade estabelecido pelas redes sociais. Nesse sentido, o efeito sobre a juventude é muito mais intenso porque a juventude cresce nesse contexto de inserção, nessa internet, nessa dinâmica pautada pela internet. Se a gente reflete isso sob o ponto de vista geracional, a gente tem um corte geracional muito explícito da forma como a sociabilidade se estabelece entre os jovens no uso da internet e entre os mais velhos, a forma como cada um desses grupos sociais utilizam desse espaço de interação.
Guilherme Mota
O uso precoce pode afetar na autoestima e na percepção de si
A busca pela aprovação do outro com likes e comentários é algo extremamente presente na dinâmica das plataformas sociais. Agora, se para os adultos essas ferramentas ditam relações com os outros e consigo mesmos, para as crianças esses impactos são ainda maiores. De acordo com a psicóloga Alice Pfeilsticker, o entendimento de si pode ser distorcido ao se considerar a percepção baseada na aprovação ou não dos outros.
Esses aprendizados que estão acontecendo em todo momento sobre o mundo e sobre elas mesmas podem acontecer de uma forma muito distorcida. E aí tem uma questão que é muito principal nessa busca por likes, que é o senso. Um senso de ter que agradar o outro como prioridade. Então se o meu objetivo é ter mais likes, a minha prioridade é agradar o outro, porque quem me dá os likes são os outros. Isso vem com muitos riscos. Então, primeiramente, as crianças e os adolescentes podem muito facilmente atrelar o valor pessoal deles à quantidade de likes que eles têm.
Alice Pfeilsticker
Nesse sentido, Pfeilsticker argumenta que essa busca por likes gera comparações e um molde da criança e do adolescente, de modo que ela consiga agradar o outro ao máximo. Com isso, há uma perda de conhecimento próprio: “Isso é um perigo para diminuir o senso dessas crianças e adolescentes de si mesmas do que eu gosto e o que eu não gosto. Ou então do que que eu valorizo e o que eu não valorizo em mim ou nos outros”, ela conta. Além disso, a terapeuta argumenta que essa busca desenfreada pode gerar uma sensação de solidão muito profunda, além de transtornos como a depressão, trantornos alimentares, de ansiedade, do sono e de imagem corporal.
Supervisão é necessária, afirma especialista
A supervisão dos pais é uma ferramenta primordial para a saúde mental de crianças e adolescentes em rede. Isso porque, com bastante frequência, as crianças são expostas a conteúdos adultos na internet, mesmo que não haja uma busca ativa por isso. Para a psicóloga, essa exposição gera diversas consequências, como a sexualização precoce das crianças, além do maior risco a abuso sexual e de disfunções sexuais no futuro. Um outro exemplo de conteúdo que se deve ter atenção é aquele que parece ser inofensivo, mas que são extremamente danosos. É o caso de contas com padrões de beleza inalcançáveis, que inconscientemente impactam na percepção corporal da criança e na automotivação.
Ademais, a convivência com pessoas desconhecidas em meios digitais, com jogos online e chats abertos, gera um contexto propício para o cyberbullying ou até mesmo para o aliciamento de menores. De acordo com Alice Pfeilsticker, a ingenuidade das crianças faz com que muitas delas tenham vergonha de contar para os responsáveis sobre as interações. “Eles são uma população mais vulnerável. Não tem como esperar que eles não sejam convencidos ou manipulados. Então é um risco muito grande, até para crimes mais graves como o abuso de menores”.
Portanto, devido à negatividade encontrada nas redes, os pais precisam ter uma preocupação maior com o que está sendo exposto aos seus filhos: “A internet guarda muitas coisas boas, mas também guarda muitas coisas negativas. Grupos de ódio, sistemas de opressão que se revelam nas redes sociais mecanismos de violência virtual. E nesse sentido, uma falta de supervisão deixa crianças e jovens expostos a todo esse conteúdo”, afirma o sociólogo Guilherme Mota.
A supervisão não é invasão de espaço
No entanto, a supervisão das redes é subestimada por muitos pais e responsáveis, que não querem invadir o espaço pessoal da criança e causar desconforto. Infelizmente, o desconforto da falta de supervisão pode ser muito maior do que uma conversa expondo os riscos à criança ou com o uso de aplicativos de segurança e monitoramento. “É muito importante sentir desconforto sim. É para partir para ação, é sobre ter responsabilidade. Esse controle pode acontecer também por meio de softwares. As tecnologias elas vão se desenvolvendo, mas esse controle jamais pode ser negligenciado”, lembra a psicológa Alice Pfeilsticker.
Ainda, a frustração da criança em ser imposta limites é benéfica para o entendimento de limites, além do desenvolvimento de habilidades para lidar com a frustração. “É importante ter muito cuidado com a negligência [parental], e usar o cérebro adulto para impor os limites que o cérebro da criança e do adolescente sozinhos não conseguem”, conclui a psicológa.
O sociólogo Guilherme Mota aponta o quanto à permeabilidade dos pais de deixarem mais e mais os filhos a acessarem a internet sem supervisão e como isso pode significar no mundo atual.
“O uso restrito desse espaço virtual por jovens e sobretudo por crianças sem um certo controle da classificação etária das formas de uso é bastante perigoso na medida em que a gente não sabe com clareza os efeitos cognitivos dos constante intenso de redes sociais e da internet como um todo. Também é perigoso na medida em que a gente não tem uma supervisão muito clara em termos de classificação etária do que está sendo acessado pelas crianças”.
Guilherme Mota
Sociabilidade afetada
Um outro fator que se deve considerar em relação ao uso de redes sociais pelas crianças é a socialização, uma vez que a instantaneidade e multimidialidade das mídias facilita o vício. E o não uso pode provocar irritabilidade e abstinência, assim como qualquer outro vício. A partir desse uso excessivo, as interações pessoais passam a ser pouco interessantes e o desenvolvimento de habilidades sociais vai se perdendo, como empatia, paciência e respeito. “As interações entre as crianças e os adolescentes acabam diminuindo muito, até perdendo o próprio interesse social. O próprio interesse no contato social já diminui muito, porque a única fonte de prazer e alegria passou a ser a internet”.
A partir de observações na clínica em que trabalha e na escola em que leciona os anos finais do ensino fundamental ensino Médio, a psicóloga Alice Pfeilsticker percebeu que a pandemia teve um grande impacto na socialização das crianças e adolescentes, uma vez que a única forma de contato deles, por muito tempo, foi a internet. “As crianças e os adolescentes estão sofrendo muito com essa falta de habilidades, e não é culpa delas”, ela lamenta.
Qual o papel dos pais na supervisão de crianças com redes sociais
De acordo com dados recentes da Cetic, cerca de 25 milhões deles têm acesso livre a uma variedade de plataformas de rede social. Uma pesquisa realizada este ano pelo Centro de Estudos Associado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (Cetic.br), com o apoio da Unesco, revelou que 95% das crianças e adolescentes com idades entre 9 e 17 anos utilizam a internet no país.
Com a crescente prevalência das redes sociais, é inevitável que as crianças se sintam atraídas por essas plataformas. Apesar dos malefícios associados ao uso das redes sociais, é fundamental reconhecer a presença de benefícios que podem e devem ser explorados. Portanto, torna-se importante que os pais e responsáveis se adaptem à atual realidade do mundo. Podendo oferecer orientação e supervisão aos seus filhos desde cedo no acesso à tecnologia.
É crucial equilibrar os benefícios de aprendizado e socialização com os potenciais riscos e perigos. A supervisão dos pais, a educação digital e o uso responsável da tecnologia são elementos chave para garantir que as crianças possam navegar no mundo digital de maneira segura e eficaz.
Maturidade para utilizar às redes sociais
De acordo com a psicóloga Alice Pfeilsticker, as crianças e adolescentes são uma população vulnerável. Dessa forma, o aliciamento e manipulação pela internet é mais fácil de acontecer.
Para Nathália Bini, que é mãe de dois meninos de 9 e 12 anos a fala da psicóloga é correta. Questionada sobre o uso de redes sociais e internet na sua casa, ela nos informou que o acesso é limitado e supervisionado. Ela acredita que os filhos ainda não estão prontos o suficiente para poderem utilizar redes sociais como Instagram e TikTok pela falta de maturidade.
“Eu não deixo eles terem redes sociais ainda. E pretendo segurar o máximo que eu consegui, justamente porque acho que eles são muito imaturos para estarem neste meio. Eles utilizam apenas o WhatsApp e tudo sempre é conversado e orientado.“, afirma Nathália Bini.
Meios de proteção
Com o avanço da tecnologia, cada vez mais cedo, criança e adolescentes vem tendo acesso à internet. Nenhum método de proteção é infalível mas para Paulo Alves, pai de 4 filhos de idades entre de 7 e 16 anos o melhor a se fazer é conversar.
Hoje em dia não há muito o que se fazer. É difícil controlar esse acesso, então eu prefiro sentar e conversar sobre os riscos que eles estão correndo e como evitar isso. Tento sempre orientar e ainda supervisiono os mais novos, mas chega uma idade que é complicado, fica naquela questão sobre não ultrapassar o limite entre segurança e privacidade, né? Tento sempre ser o mais sincero e manter um dialogo aberto e honesto sobre todo perigo que envolve estar ativo nas redes sociais. É educando e criando um ambiente de confiança para que meus filhos possam ter a liberdade de conversarem comigo sobre qualquer problema, que os protejo.
Paulo Alves
O equilíbrio entre os benefícios educacionais e os riscos associados ao acesso às redes sociais
A pandemia da COVID-19 aumentou significativamente a dependência e utilização da tecnologia em diversas áreas, afetando também crianças e adolescentes. É normal aplicativos educacionais e aulas-onlines fazerem parte da rotina deste grupo.
Apesar dos riscos, as redes sociais podem ser uma fonte de informações valiosas. É possível que os usuários acessem conteúdos educacionais, artigos, tutoriais e vídeos relacionados a diversos temas. Nathália acredita que com um equilíbrio é capaz de ajudar os filhos a usufruírem da parte boa da internet.
“Chega uma hora que é impossível fazer com que esse contato, internet e crianças não aconteça. Hoje, até a própria escola exige que os meninos baixem aplicativos para ter acesso ao material de estudo. É impossível fugir, o negócio é conversar e tentar chegar num meio termo. Algo que seja seguro e que não os impeça de se divertirem e aproveitarem o que há de bom na internet e nas redes sociais.”, disse ela.
Em um cenário cada vez mais digitalizado, a presença de crianças e adolescentes nas redes sociais é uma realidade que demanda uma abordagem ponderada e cuidadosa. Discutir a idade adequada para o uso de aplicativos e plataformas online torna-se essencial, considerando os desafios e benefícios que essa interação oferece.
É crucial reconhecer que, embora essas ferramentas possam proporcionar oportunidades de aprendizado, interação social e desenvolvimento, também carregam consigo riscos significativos quando não monitoradas adequadamente. Além disso, é importante estabelecer limites claros. Orientar sobre os perigos existentes e promover uma comunicação aberta são medidas fundamentais para garantir um ambiente online seguro e saudável para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, preservando sua integridade física, emocional e social.
Excelente matéria! A Sociedade Brasileira de Pediatria também corrobora com uso cauteloso das telas e incentiva atividades ao ar livre e exposição solar, dentro do recomendado, como caráter protetivo sobre incidência de miopia.