O livro de contos do escritor mineiro Thiago Arantes apresenta doze histórias que viajam desde o realismo fantástico até a crônica cotidiana. Como o título sugere aos conhecedores de Guimarães Rosa, a história escolhida para nomear a coletânea é baseada no conto “A Terceira Margem do Rio“. Os contos geralmente apresentam poucos personagens e buscam abordar a relação entre pais e filhos, pessoas e a natureza, com um olhar sensível para os problemas do cotidiano. O livro se torna uma obra de realismo fantástico ao transformar, por exemplo, o tempo e os bichos em personagens. 

Há sempre uma valorização da sabedoria e da humildade, assim como da natureza. Fica muito claro que muitas das histórias se passam no tempo atual e têm características do cotidiano. No entanto, o autor utiliza, o tempo todo, elementos da fantasia junto à realidade. Os personagens humanos são pessoas do cotidiano, a mãe, o filho, o policial, o pipoqueiro. As histórias se desenvolvem em poucos diálogos entre personagens que buscam passar alguma mensagem importante. 

As histórias lembram também o estilo das clássicas crônicas jornalísticas, principalmente na descrição do espaço. As atitudes normais da rotina, como arrumar a cama, andar pela cidade, são usadas para descrever as emoções humanas. Como se tratam de doze histórias no total, aqui serão descritos alguns tópicos importantes em algumas delas.

A Terceira Margem da Folha

Primeiramente, falando sobre o conto que dá título ao livro (terceiro no índice), é uma releitura moderna de A Terceira Margem do Rio. No texto de Guimarães Rosa, o narrador conta a história de seu pai, que de repente decide se isolar do mundo, ao passar a viver em uma canoa no meio do rio. 

O narrador então passa a lidar com todos os problemas e sentimentos complexos que essa atitude do pai causa. Thiago Arantes, então, busca contar praticamente a mesma história, adaptada para os dias atuais, com uma diferença importante: o pai é um escritor e decide se isolar em um quarto. Dessa forma, o autor faz uma comparação entre a margem do rio (personagem de Guimarães Rosa) e a margem da folha, em que o pai escreve.

A narrativa, que é basicamente a mesma, mostra as consequências da ação incompreensível do pai e como todos seguem com suas vidas normalmente, uma vez que chegam à conclusão de que não podem fazer mais nada para ajudar o pai, exceto o narrador. O principal é a sensação que o personagem tem a todo momento de que, apesar de estar perto, o pai está longe.

Mesmo para quem já leu o conto de Guimarães Rosa e, conforme lê o texto, percebe que o rumo será o mesmo, a maneira como o autor descreve a experiência do pai preso no quarto acaba se tornando interessante, mesmo que seja apenas para comparar os dois contos.

Alguns outros contos

No primeiro conto, “Azul Poesia”, podemos ver o sofrimento e a dor pelas quais os personagens estão passando. No entanto, tudo isso é amenizado pela forma delicada e poética com que o autor descreve os sentimentos de todos, em especial do filho. Dessa forma, é possível se comover com a dor do garoto e entender a situação de forma lúdica. Apesar de todas as fraquezas e sofrimento, há uma esperança. Essa talvez seja a maior vantagem de uma história de fantasia, tudo é possível.

Outro conto excelente, “Tratado do Tempo” traz um personagem que parece buscar um sentido na vida. Até que ele recebe a visita do tempo, que lhe deixa um espelho de presente. O espelho mostra que ele não é mais o jovem que era. Depois, ele recebe a visita de Deus, onde, ao contrário do tempo, encontra consolo. O autor leva à reflexão sobre como é a sensação de envelhecer e ver o tempo passar, enfrentando o mundo.
Em “Jogo de Culpas” presenciamos um pai que entra em desespero ao ver o filho entrar em uma canoa, e acaba por atacar o bicho que estava ali perto. O autor então deixa um questionamento: a culpa é do pai, do filho, ou dos animais?  Não só esse, mas os demais contos nos fazem pensar em como vivemos no mundo atual e como nossas emoções agem em situações inesperadas.

Impressões sobre o livro

A obra, traz cerca de oito páginas em cada história (algumas menos). Isso é uma vantagem, uma vez que nessas publicações em série, o conto deve ser curto para não cansar o leitor. Cada capítulo é um conto diferente, uma organização que simplifica o entendimento do leitor.

A linguagem é muito clara e concisa, apesar da complexidade do texto, é possível compreendê-lo muito bem. As histórias começam geralmente com um fato intrigante e, por mais que algumas histórias se passem no mundo real, não há compromisso com a realidade. Por isso, qualquer coisa pode acontecer. Isso é uma forma muito interessante de instigar a curiosidade do leitor.

Outro ponto positivo, que pode ser levado em conta por leitores exigentes. O título de cada conto é muito bem explicado no decorrer da história. Isso mostra que o autor sabia bem como inserir o nome de cada história no enredo.

Apenas uma crítica que acredito ser importante. No prefácio, a autora convidada explica a razão da referência a Guimarães Rosa. Talvez tivesse sido melhor omitir algumas das informações trazidas já no prefácio, uma vez que o leitor pode estar em busca de compreender sozinho o sentido do título e desvendar o mistério. Trazer o sentido logo no prefácio pode não agradar algumas pessoas. 

Portanto, o saldo total é extremamente positivo. A Terceira Margem da Folha é uma excelente opção para quem gosta tanto de um bom conto de fantasia quanto de uma crônica jornalística que interpreta o cotidiano. O livro de Thiago Arantes lembra José Saramago ao transformar as emoções e os seres misteriosos e incompreensíveis (tempo, horror, calma) em personagens. Da mesma forma, lembra Maiakovski na descrição dos ambientes em que as histórias se passam e como cada lugar influencia na condução dos personagens.

Sobre o autor

Crédito: Reprodução | Instagram (@thiagoarantes.littera) | Foto: Alexandre Casttro

Thiago Arantes nasceu na cidade de Patos de Minas (MG). Publicou poesias, contos e crônicas em jornais e sites da região. Também é professor universitário, advogado e celebrante de casamentos. É autor do livro de poesias “Lágrimas Latinas, Lascívias Linguísticas”. A Terceira Margem da Folha é o primeiro livro do gênero de ficção e contos. Mais informações sobre o trabalho de Thiago Arantes podem ser encontradas no instagram: Thiago Arantes.