Para celebrar o Halloween, uma data importante em tantas culturas, conheça o livro “Vitorianas Macabras”. A obra da Darkside Books traz uma série de biografias e contos de treze autoras da Era Vitoriana (por isso o nome), que deixaram um legado para a literatura do terror. 

Além disso, os capítulos finais do livro trazem uma série de textos retratando a atmosfera aterrorizante da Londres do século XIX. O lugar era perfeito para surgirem histórias de terror, uma vez que a morte e os fantasmas eram parte do cotidiano. O livro foi organizado por Márcia Heloísa, autora dos textos biográficos e dos capítulos finais sobre a cidade de Londres.

Introdução – Vitoriosas

No capítulo de introdução “Vitoriosas” Márcia Heloísa fala um pouco das autoras, assim como faz um panorama da situação das mulheres na Era Vitoriana. O reinado da Rainha Vitória (1837-1901), foi uma época de grandes progressos industriais e científicos. Um fato marcante foi a Grande Exposição Universal de 1951, da qual inclusive o Brasil participou. Países puderam mostrar ao mundo suas grandes invenções e inovações científicas. 

No entanto, não era só de coisas boas que era feita a realidade inglesa e principalmente londrina. Houve um grande aumento no número de doenças, epidemias, que vitimaram os mais pobres. A maioria das vítimas eram mulheres. 

A Morte, inclusive, se torna uma personagem a partir de agora, como era não apenas nas obras vitorianas, mas na vida da população.  Tudo isso, segundo Márcia Heloísa, torna as treze autoras protagonistas “Vitoriosas”. Elas conseguiram se expressar e lutaram por seus direitos em um ambiente tradicional. 

Foi nessa época que surgiu o movimento feminista, assim como se intensificou a luta pelo sufrágio feminino. Além disso, conseguiram esses feitos, em uma época em que era difícil para uma mulher sobreviver. Elas resistiram a doenças, maridos abusivos e violência doméstica e familiar. 

Muitas das protagonistas morreram jovens, mas deixaram legados que atravessaram séculos. Tenho que parabenizar Márcia Heloísa pela escolha do termo, foram e sempre serão “Vitoriosas”.

A maior Vitoriana

O primeiro e o último texto das biografias são dedicados à mulher que é a personificação da Inglaterra Vitoriana, a própria Rainha Vitória. Márcia Heloísa traça um retrato da monarca que governou o Império Britânico durante 63 anos. Desde a responsabilidade de reinar a partir dos 18 anos, ao luto pelo marido Albert, aos nove filhos (muitos morreram antes da mãe). A autora aborda como o luto afetou a forma de vida de Vitória, e os rituais fúnebres que a Rainha passou a seguir todos os dias. 

O estilo de Vitória se tornou a regra do comportamento da sociedade. A valorização do luto como característica principal. Além disso, o foco estava na moral e na tradição, assim como no ideal de comportamento feminino. Apesar disso, o reinado de Vitória foi uma forma de afirmação da autonomia e da capacidade de administração de uma mulher. 

As “Vitorianas Macabras”

Em seguida, seguem as autoras. A organizadora faz uma descrição biográfica de cada uma, com um conto de terror em sequência. São autoras mundialmente famosas e outras não tão conhecidas, mas que deixaram um trabalho marcante na Era Vitoriana. São elas em sequência:

  • Charlotte Riddell
  • Louisa Baldwin
  • Edith Nesbit
  • Violet Hunt
  • Amelia B. Edwards
  • Charlotte Brontë
  • Elizabeth Gaskell
  • Mary Elizabeth Braddon
  • Margaret Oliphant
  • Rhoda Broughton
  • H. D. Everett
  • Vernon Lee
  • Mary Sinclair

Cada uma tem uma trajetória particular na literatura, marcada por relações familiares complexas. Muitas ficaram órfãs, viúvas, perderam filhos e enfrentaram obstáculos para conseguir escrever. Algumas também foram parte do movimento que defendia maiores direitos para as mulheres. 

É impressionante como elas têm histórias parecidas. Muitas só conseguiram se afirmar após se casarem, outras publicaram com pseudônimos masculinos para conseguir divulgar seu trabalho.

Charlotte Riddell e Louisa Baldwin, mulheres vindas de famílias ricas, mas que eram na sociedade respectivamente as Sras. J.H.Riddell e Alfred Baldwin. Elizabeth Gaskell e Margaret Oliphant perderam os filhos, tendo na literatura uma forma de lidar com a dor. 

A sufragista Violet Hunt tinha personalidade forte, semelhante à de Rhoda Broughton, que, segundo relatos, intimidava Oscar Wilde e Lewis Carroll. E o que dizer de Charlotte Brontë, que morreu aos 38 anos de problemas na gravidez, assim como milhares de mulheres vitorianas.

Seria incrível se eu pudesse transcrever aqui cada uma das treze histórias, cada qual com seu encanto e narrativa. No entanto, como é impossível, confira um trecho de uma obra da vitoriana Charlotte Riddell:

“Era um recinto bastante sombrio: o revestimento escuro das paredes; o reluzente assoalho negro; as janelas muito altas; o mobiliário antigo; o esmaecido estrado com suporte para dossel, de onde pendiam cortinas de veludo encardidas; a chaminé aberta; a colcha de seda que parecia uma mortalha”.


Trecho de “A Porta Sinistra” (1882)

Londres Obscura

Após o fim da parte destinada às autoras, há uma seção intitulada “Londres Obscura”. São vários capítulos abordando características da Londres Vitoriana, que eram normais na época, mas que soam completamente bizarras hoje em dia.

As mazelas sociais, crianças abandonadas, doenças e falta de assistência eram problemas visíveis na cidade. Em casa, a situação era pior. Casos de violência familiar, assim como agressões, eram comuns. Não foram poucos os casos de esposas, filhas e filhos, acusados de envenenar seus agressores. 

Aliás, o arsênico era facilmente encontrado no comércio. Os familiares inconvenientes, ou com comportamentos fora do padrão, eram enviados para os hospícios. Na época, tudo era loucura. Além disso, o comportamento das pessoas era bastante peculiar. 

Açougueiros abatiam animais no meio da rua, em meio à população. E para algumas pessoas, diversão não era ir ao teatro e à ópera, mas sim assistir aos inúmeros espetáculos de terror. Como por exemplo, a luta de cães e ratos até a morte. 

Também havia uma série de assassinatos macabros, o maior exemplo é claro, o famoso serial killer “Jack, o Estripador”. Dessa forma, a literatura vitoriana macabra nada mais era do que o retrato social de Londres. E as mulheres saíram na frente por fazer isso tão bem.

Impressões sobre o livro

“Vitorianas Macabras” é um livro destinado não apenas a homenagear as escritoras da Era Vitoriana, mas também descrever as controvérsias desse período. É notável que muitas dessas autoras tenham desafiado as tradições para conseguir publicar seus trabalhos, assim como lutar pelos direitos das mulheres. Portanto, como eu disse antes, “Vitoriosas” é realmente a melhor forma de descrevê-las.

Entender o contexto no qual elas viveram é muito importante. Conforme a descrição de Márcia Heloísa, havia uma espécie de obsessão pela morte. Além disso, também era realizado um verdadeiro culto aos mortos. 

Foi nessa época, inclusive, que a doutrina espírita, assim como pensadores como Allan Kardec, se tornaram famosos. Se fizermos uma análise psicológica do fato, se a morte era tão presente (pessoas morriam a todo momento de doenças, no parto, etc.), tentar se familiarizar com ela era um grande mecanismo de defesa. 

As histórias de terror mostram outro lado da Londres, capital do mundo. A Londres obscura, cheia de problemas sociais. Dessa forma, as autoras vitorianas trazem o retrato social de uma época cheia de simbolismo com reflexos até hoje. As histórias fascinam e assustam, só consigo imaginar como deve ter sido complexo viver em uma época como essa. Só resta admirar as jovens que lutaram e conseguiram seu lugar na história.