Alerta: Esta matéria é a resenha do livro “O Outro Plano”, que narra vários tipos de violência e traumas. Se você é sensível a esse tipo de conteúdo, por favor, não prossiga com a leitura, ou então leia com cautela. Caso seja necessário, busque ajuda.
O livro “O Outro Plano” da escritora e médica Cristiane Barausse, conta a história de uma médica que é vítima de violência por parte do marido. Cansada das agressões e humilhações, ela decide fugir para um hospital de campanha. A história se passa em um cenário de guerra, onde Elisa, a protagonista, enfrenta os desafios de ser uma médica em um ambiente machista, além do trauma e do medo de que o marido a encontre. Alerta de spoiler!
Enredo
A história começa no trem, sendo o livro todo narrado em primeira pessoa. Elisa, a protagonista está fugindo. Ela inicia descrevendo os hematomas em seu corpo e sua angústia e medo após a fuga. Ela então começa a relembrar seu passado. Elisa foi a única mulher a cursar e se formar em medicina na Universidade. Lá ela conhece o jovem Oto, em um primeiro momento, encantador. No entanto, ainda no namoro ele começa a apresentar seu comportamento possessivo.
Elisa está sempre incomodada com as interferências de Oto em todas as suas conversas, tentando chamar toda a atenção para ele. Um dos pontos que mais a incomoda, é quando ao ter a oportunidade de conhecer uma médica a qual admira muito, Oto praticamente não deixa que elas conversem, deixando a jovem constrangida e também a médica, extremamente incomodada.
Elisa e Oto se casam. A partir daí ele passa a ser ainda mais agressivo e culpá-la principalmente por não engravidar. Além disso, ele passa a desdenhar dela em frente aos amigos, uma das piores humilhações. Elisa passa a sofrer vários tipos de violência no relacionamento, psicológica, moral e física.
Elisa busca ajuda de pessoas próximas, mas é ignorada. O desquite não era algo aceitável naquela época, e por isso, seus apelos são deixados de lado. Até que ela decide tomar uma atitude. Ela falsifica uma carta de Oto, autorizando Elisa a deixar sua casa, para trabalhar em um hospital de campanha durante a guerra. Lembrando que naquela época, uma mulher casada precisava da permissão do marido para trabalhar.
A Fuga
Ao observar o planejamento de Elisa, o leitor conclui que ela vai fugir de forma discreta, em um momento em que Oto não estivesse em casa. É aí que a história surpreende o leitor! Elisa dopa o marido e o amarra em uma cadeira. Ela afirma a ele que está indo embora e diz para ele não tentar achá-la. Nesse momento, é possível ver toda a raiva e ressentimento que Elisa sente do marido, por tudo que ele fez ela sofrer.
Voltamos então ao momento do trem. Elisa está a caminho do hospital de campanha, tomada por um turbilhão de emoções, a fuga, o medo e a expectativa pelo que a espera. Ela chega ao hospital e começa a trabalhar. No entanto, ela continua traumatizada. Elisa não consegue dormir e sente muito medo de que Oto a encontre. Apesar de não haver como ele a encontrar, uma vez que ela sabia que tinha feito tudo de forma bastante eficiente.
Elisa passa a ter sonhos intrigantes, completamente sem sentido. A narrativa dá a entender que esses sonhos são reflexos dos sentimentos dela, principalmente do medo. Enquanto sua vida passada parece cada vez mais distante, Elisa faz novas amizades. Ana, uma enfermeira, se torna sua grande amiga.
Além disso, ela passa a ter uma boa relação com a médica Ludmila, e conflitos velados com o médico Francis. Sua credibilidade sempre é questionada pelos homens do hospital de campanha, que, inclusive, sempre fazem comentários ofensivos sobre todas as mulheres.
Elisa se dedica muito aos seus pacientes, um deles, o oficial misterioso, está em coma e a beira da morte. Apesar de seus ferimentos graves, Francis se recusa a desistir dele. Elisa também se solidariza com aquele jovem, e todos passam a viver uma expectativa para ele acordar.
Elisa a heroína
A principal aventura de Elisa na guerra começa quando ela é recrutada para uma missão e como sempre é alvo de comentários machistas. A missão é o resgate da filha do general. Elisa consegue resgatar a menina, deixando o general extremamente agradecido. Como consequência, uma matéria jornalística é feita com a foto de Elisa em destaque na capa do jornal.
A partir daí, Elisa sabe que Oto vai encontrá-la. Ela passa a viver com medo do reencontro, mas o tempo passa e nada acontece. Até que o momento finalmente (e infelizmente) chega: Elisa é informada que o marido a aguarda.
Reencontro com Oto e final
Quem espera um confronto ou alguma vingança por parte de Oto, se surpreende. Ele aparece calmo, afirmando que está muito arrependido, dizendo a Elisa que entende o que ela fez e a perdoa.
Elisa afirma que não voltará para o marido e vai embora. Ela ganha uma casa como recompensa por seus esforços na guerra e entra com o pedido de desquite com o apoio dos amigos. Eles são definitivamente o suporte para que ela comece uma nova vida. Após um tempo, Elisa recebe uma notícia que a deixa surpresa.
Oto aceitou o desquite. Eles se reúnem, assinam os papéis, até que Elisa entende a razão. Oto está noivo de outra mulher e pretende se casar de novo. Essa é a última vez que eles se veem. Ela sente pena da próxima vítima de Oto.
Elisa então segue com sua vida, ao lado de seus amigos e de um novo amor, o oficial misterioso.
Impressões sobre o livro
“O Outro Plano” é um livro que aborda dois pontos importantes. O primeiro é o papel da mulher em um cenário de guerra, local dominado por homens. Além da descrição com riqueza de detalhes do ambiente de guerra, Elisa, Ana e Ludmila enfrentam vários preconceitos e obstáculos por serem mulheres.
O segundo, e o mais importante, é a violência doméstica. Elisa sofre vários tipos de agressões (psicológica, física e sexual) durante o casamento. Sua fuga é uma ação de desespero diante da falta de ajuda. A forma que Elisa usa para fugir de casa (dopar e amordaçar o marido), pode ser alvo de questionamento. Mas sem querer fazer apologia à violência, transmite o desespero da personagem.
Mesmo após a fuga, Elisa continua traumatizada, sem seguir dormir e com um medo que não passa. Quando Elisa e Oto finalmente se reencontram, a forma tranquila com que ele age, é exatamente como os abusadores costumam fazer. Pesquisas mostram que uma parte do ciclo de violência é mostrar se arrependido, dizer para a companheira, esquecer o passado, que tudo será diferente a partir de agora.
A falta de punição a Oto no final do livro, pode causar revolta. Oto só aceita o desquite para se casar novamente, fazendo com que Elisa tema pela futura esposa e nova vítima de Oto. O final de Oto é geralmente o que acontece na realidade, ele sai impune, pronto para fazer outra vítima.
Mensagem do livro
Apesar de ser uma história de época, o livro é totalmente atual. Os conflitos se assemelham a muitas histórias que vemos nos noticiários ou na internet. Portanto, é importante pensar, o quanto o combate contra a violência contra a mulher avançou nesses anos? E o estigma da mulher que mesmo sendo alvo de violência é alvo de críticas? O livro de Cristiane Barausse trata de temas extremamente delicados, no entanto, necessário.
A mensagem principal é que pouco mudou nesse comportamento social, de antigamente até hoje. No entanto, as mulheres são fortes e com o apoio necessário (principalmente da lei), elas podem se libertar. A única ressalva que pode ser feita é que a autora e a editora devem colocar um alerta de gatilhos emocionais fortes na divulgação do livro, uma vez que muitas mulheres podem se identificar com essa situação, e precise de apoio psicológico.
Sobre escritora
Cristiane Barausse é médica dermatologista. Criada pela mãe, ao lado da irmã, é apaixonada pelas ideias do feminismo e empoderamento desde a juventude. “O Outro Plano” é seu livro de estreia.
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