O livro conta as histórias de Joana D’Arc e Maria Quitéria, ambas heroínas de guerras importantes de suas nações. Joana liderou o exército francês durante a Guerra dos Cem Anos, sendo considerada uma santa da Igreja Católica. Maria Quitéria é uma das heroínas da Guerra da Independência do Brasil. Condecorada por D. Pedro I, foi a primeira mulher oficialmente membro das Forças Armadas.

Conforme reforçado pela autora Isabelle Anchieta logo na introdução, “Revolucionárias” não segue a linha tradicional das biografias. O objetivo do livro é não apenas contar as histórias de Joana D’Arc e Maria Quitéria, mas também analisar onde as duas trajetórias se cruzam e como elas impactaram no ambiente social, tanto de suas épocas quanto atualmente.

Um dado interessante é que a autora decide denominar os cruzamentos das histórias de ponto-cruz, que é uma forma de bordado na qual os pontos têm geralmente o formato de um X. Ainda na introdução, a autora traz informações de como foi a pesquisa de campo e sua preocupação em registrar imagens dos locais importantes.

Ao realizar o convite para a leitura, ela deixa seu alerta:

“Por isso, alerto que o que realizo aqui não são propriamente

biografias, nem há pretensão de uma rememoração histórica. Sigo

um outro caminho: entrelaço esses conhecimentos como meios

para abrir reflexões sociológicas atuais e pertinentes, usando as

imagens como guias, ainda que traiçoeiras.” (Revolucionárias – página 18).

As Revolucionárias

Estátua de Joana D’Arc na Catedral de Notre-Dame em Paris | Crédito: Steven G. Johnson | Maria Quitéria | Quadro de Domenico Failutti (1920) | Crédito: Domínio Público

A primeira parte do livro é dedicada a Joana D’Arc. Já a segunda parte conta a história de Maria Quitéria. A autora segue o mesmo caminho fazendo uma descrição da juventude e como ambas entraram para a carreira militar. Um dos pontos mais interessantes do livro é a valorização de outras figuras, sobretudo femininas, desconhecidas por grande parte do público, e que tiveram um papel essencial.

No caso de Joana D’Arc, a “personagem coadjuvante” mais importante foi sem dúvida a Rainha Consorte de Nápoles e Condessa de Provença Iolanda de Aragão. Foi ela que articulou politicamente a entrada de Joana no Exército Francês e, desse modo, deu total apoio a jovem, naquela que ela considerava sua missão divina. Já na parte de Maria Quitéria, pode-se destacar o apoio de sua irmã e confidente Maria Teresa Medeiros, a responsável por cortar os cabelos e emprestar roupas masculinas para que Quitéria se disfarçasse e conseguisse entrar no exército.

Outra característica são as imagens e vídeos disponíveis. O livro traz uma série de quadros históricos expostos na França e no Brasil. Vários vídeos gravados pela autora durante a pesquisa, podem ser acessados via QrCode. Para avaliar se a imagem é fiel à realidade, a autora convida a seguir os registros documentais, assim como as testemunhas da época. Em relação às obras de arte, cada imagem é mais impressionante que o outra. Sinceramente quando parecia já ter passado pelo quadro mais impactante, vinha outro.

Bastidores

O relato dos bastidores da ascensão das jovens é uma das principais qualidades do livro. Dessa forma é possível conhecer histórias que não são abordadas de forma tradicional e revela várias outras características da época.

Na história de Joana D’Arc, por exemplo, mais informações sobre a mãe de Joana. Isabelle Romee. Ela viveu até depois da execução da filha, e foi testemunha de todos os feitos militares até a queda de Joana D’Arc e seu final trágico. Já Iolanda de Aragão manipulou politicamente a história de Joana. Isso tornou a jovem uma figura famosa na França. Uma enviada por Deus que para salvar a França.

A autora levanta uma questão. Joana tinha todos os aspectos das jovens que decidem seguir a vida religiosa. Será que se Joana D’Arc não tivesse aquele final trágico, ela decidiria se tornar uma religiosa? Mas ela não queria viver confinada em um convento. Como seria a vida de Joana, já que ela era considerada uma santa por quem a conhecia?

E a conhecida história de Maria Quitéria ter se disfarçado de homem? A farsa foi descoberta rápido, quando o pai de Quitéria descobriu a fuga e foi atrás dela. Porém, o comandante sabendo que a jovem era a mais habilidosa, mantém Maria Quitéria no batalhão. Vale ressaltar que Quitéria foi renegada pela família, mesmo aclamada pela opinião pública.

Outro destaque é o suposto encontro de Quitéria com Maria Felipa de Oliveira. Uma jovem negra que teria liderado seu próprio exército na luta pela Independência. A existência de Maria Felipa nunca foi comprovada. No entanto, existem registros de que elas se conheceram, conforme descrito no livro.

Impressões sobre o livro

Crédito: Reprodução | Instagram (@profa.isabelleanchieta)

Apesar da insistência da autora em fugir do formato de biografia, de certa forma, é impossível não seguir uma estrutura descritiva e cronológica, quando se narra a história de personalidades históricas. Então, durante a leitura, percebi as características do gênero. No entanto, ela cumpre seu propósito ao não seguir a literatura tradicional e ao relacionar os eventos passados, a sociedade atual.

Ela conta a história de uma Joana humana, deixando de lado a visão idealizada que vários historiadores, escritores e filósofos fazem de Joana D’Arc. Ela aborda também os desafios de Maria Quitéria para ser devidamente valorizada e respeitada como soldada. Esse termo foi criado na época para se referir a ela, e até hoje é alvo de discussões sobre seu uso.

Portanto, a minha conclusão pessoal é de que o livro é um convite a refletir sobre como duas jovens destemidas conseguiram chegar aos seus objetivos, em uma sociedade opressora e cruel com as mulheres. Isso mostra que hoje em dia, por maiores que os desafios possam parecer, as mulheres podem conseguir seu lugar no mundo, seguindo seus ideais.

Por isso, o contexto fez com que elas lutassem para libertar suas nações. Mas o mundo atual também é desafiador, e as mulheres que já conquistaram tanto, podem conseguir muito mais. Joana D’Arc e Maria Quitéria são heroínas, porque são inspiração para as futuras revolucionárias.