Publicado originalmente em 1955, “O Fim da Eternidade” de Isaac Asimov (1920 – 1922) explora o tempo como personagem dentro de uma trama futurista e repleta de filosofia temporal. Acompanhamos o Eterno Andrew Harlan através da sua jornada corporativista dentro da Eternidade — um lugar além do nosso Tempo. O livro ganhou um relançamento pela Editora Aleph, com trabalho gráfico de Luciano Drehmer e tradução a cargo de Suzana Alexandria.
A história da Eternidade
Aos 15 anos de idade, Andrew Harlan, nosso protagonista, foi recrutado para trabalhar na Eternidade — anteriormente Harlan era considerado apenas um habitante do Tempo, ou como membros da Eternidade os chamam, um Tempista. No entanto, ao cruzar a barreira que separa o Tempo do não-Tempo (Eternidade), Harlan será treinado para um trabalho um tanto inusitado ao conhecimento dos Tempistas — o controle da História através do tempo.
A categorização de um Eterno é dividida em quatro fases, Tempista, Aprendiz, Observador e Especialista. Como Eterno, ele deve observar, analisar e propor Mudança Mínima Necessária (M.M.N), nada menos que “interferir” de modo calculado – e mínimo – a realidade para que, assim, seja evitado catástrofes e o fim da humanidade. Quem possui esse poder são os já citados Eternos, seres que detêm a habilidade de viajar no tempo, mais precisamente entre séculos.
É interessante como Asimov nos introduz aos conceitos e regras deste novo mundo. Primeiro, não existe o “tempo” como conhecemos — ao menos, não o nosso tempo. Por agora estar na Eternidade, Harlan não viverá como um ser humano – um Tempista – normal. Nem ao menos terá vida eterna como o título de Eterno sugere.
O conceito deste mundo que Harlan é introduzido, a Eternidade, baseia-se em seres humanos viajando de séculos em séculos, sejam esses menores e mais próximos ao começo da humanidade ou longínquos e próximos aos séculos ocultos. Dessa forma, eles criam “instalações” que funcionam, basicamente, como “filiais” daquele século em questão para que, dentro de castas hierárquicas, o nosso futuro seja protegido por eles.
As Regras da Eternidade
Como toda obra do Bom Doutor – como Asimov é popularmente conhecido – existem regras que tornam a história possível. Porém, apesar de ser uma obra de ficção científica, Asimov é categorizado como um escritor de Hard Science Fiction — termo utilizado para obras que baseiam-se em possibilidades científicas reais e mais próximas à ciência da nossa realidade. Arthur C. Clark (O Fim da Infância, 2001: Uma Odisséia no Espaço) é outro ator mundialmente conhecido por escrever obras de Hard Science Fiction.
Asimov cria numerosas regras para a história. Por exemplo, por serem residentes da Eternidade, os Eternos são desligados do seu século de origem. Dessa forma, para identificar qual a sua idade fisiológica – uma vez que em uma tarde você pode estar no século 20 e mais tarde no 3458 – ele cria o fisiotempo, alcunha para determinar a sua idade dentro da Eternidade.
E mais!
Com a língua, isso não é diferente. Os Eternos são seres de variadas realidades e séculos, possuindo etnias e origens diversificadas. Para que todos se comuniquem em pé de igualdade, existe a Linguagem Intertemporal Padrão. Porém, não temos um vislumbre de como ela funciona, mas entende-se que um bom Eterno a domina com mestria a forma padrão.
Outro regra presente na obra é que, em hipótese alguma, nenhum Eterno deve sucumbir ao Desejo de Tempo. Nós, seremos humanos, somos frutos de nossas gerações e do tempo em que vivemos. Logo, criamos identificações com o século e década do qual fazemos parte. Para os Eternos isso deve ser evitado, uma vez que sucumbir a essa proibição pode interferir no julgamento das Mudanças Mínimas Necessárias e no fim da Eternidade.
Eternos não possuem tempo, não possuem família, não possuem fortes ligações e, claro, não possuem o poder de controlar a própria vida. Nota-se uma dura crítica de Asimov a sociedade contemporânea, onde passamos por constantes “desumanizações” para alcançar sonhos e desejos.
Também não existem mulheres Eternas, apenas homens. A explicação no livro baseia-se no argumento de que, por serem capazes de gerarem vidas, a “retirada” de uma mulher no Tempo, levando-a para a Eternidade, pode significar o não nascimento de uma pessoa importante para a humanidade. Existem duras críticas ao autor em relação a como o mesmo escreve e utiliza personagens femininas, o que me incomodou durante a história e nos leva ao próximo tópico.
Os Personagens da Eternidade
Harlan é nosso protagonista e, ainda no começo da obra, nos identificamos rapidamente com ele, assim como criamos empatia pelo motivo que move a história. Harlan infringe a principal regra do mundo em que vive, o Desejo de Tempo, por amor. Noys Lambert, uma Tempista pertencente a um século pautado na aristocracia – sociedade dividida em castas sociais, onde nobres possuem poder e detém o monopólio do poder – é o motivo.
Apesar de um começo conturbado, Harlan aos poucos encontra-se descobrindo o amor. Criando assim, momentos hilários dignos de comédias românticas de ótima qualidade. Por ser um Eterno, Harlan nunca beijou, fez sexo ou teve um encontro — um date, como dizem os jovens. Quando encontra Noys pela primeira vez, seu mundo vira de cabeça para baixo, fazendo seu coração palpitar em um Tempo ainda não catalogado pela Eternidade.
Porém, é isso. Noys apenas serve como “objeto” ao descobrimento de Harlan para com os seus sentimentos. No primeiro momento, não existe uma profundidade estabelecida para a personagem, tornando-a mero detalhe da obra. Mais tarde, descobrimos que mulheres Tempistas são retiradas da sua realidade – e Tempo – para receberem a oferta de se filiar momentaneamente com e, principalmente, membros mais baixos hierarquicamente da Eternidade.
Apesar disso, somente no final – SPOILER ALERT – descobrimos que, na verdade, Noys faz parte de uma realidade do século oculto, que descobriu a viagem no tempo, mas preferiu apenas observar e não interferir. Porém, percebendo as constantes interferências de seus companheiros de viagem, preferem ir eliminando o grupo em cada realidade presente e atuantes dos Eternos. Neste grupo, Noys possui grande importância, sendo uma agente de campo. Caso isso fosse trabalhado, aos poucos durante a obra, tornaria a importância da personagem algo mais trabalhado, fechando brilhantemente com seu final.
Enfim, o Fim da Eternidade
Apesar do meu incômodo citado há pouco, reconheço a importância da obra para a cultura em geral. São incontáveis diálogos que permeiam a filosofia presente na discussão sobre livre arbítrio, uma marca registrada do autor. Existe também, uma crescente representatividade sobre como funciona a nossa sociedade — desde os Tempos Primitivos, como são chamados os séculos que ainda não possuem conhecimento suficiente e não descobriram a viagem no tempo.
Asimov deixa claro como o acesso a questões básicas – sejam elas viagem no tempo ou educação – impactam o mundo em que vivemos. O que não é diferente dentro da Eternidade, que funciona de modo que os Eternos “mais importantes”, presente no alto escalão, possuem repulsa para com os “menos importantes”. Em suma, o proletariado. Seres que, na visão dos Eternos, não possuem talento para lidar com a Eternidade, e são rebaixados para serviços braçais — não diferente do modo que a nossa sociedade divide seus residentes. Onde o poder deve estar com quem “sabe como criar uma rebimboca da parafuseta” e não com quem produz a rebimboca.
O Tempo
Outra coisa que me faz pensar e pensar sobre o que li é como entendemos o Tempo. Talvez uma das maiores dificuldades que encontramos devido a nossa sociedade imediatista, onde não possuímos tempo para nada, mas depositamos tempo em coisas pífias e superficiais — algo que Halan crítica enquanto admirador e estudioso dos Tempo Primitivos
O final do livro é um misto de “quero mais” e “não quero mais”, uma vez que, aquilo que me foi apresentado, fecha em círculo a proposta da obra. Inclusive, aos fãs de paradoxos e, principalmente, o de “bootstrap”, recomendo a leitura. No entanto, deixo claro que, separe um tempo. O livro dispõe de uma leitura minuciosa para que entenda as regras e aproveite a história. As últimas páginas ficarão marcadas na minha memória. É uma síntese genial sobre como encaramos o Tempo enquanto seres humanos. Afinal, até O Fim da Eternidade possui um começo de algo que não entendemos, mas que sabemos o que significa.
Sobre o autor
Sendo um dos principais nomes da ficção científica, Isaac Asimov escreveu mais de 500 livros durante sua carreira. Sua série mais famosa é a Trilogia da Fundação, recentemente adaptada pelo serviço de streaming da Apple. Em suas obras, Asimov apresenta reflexões sobre numerosos assuntos, entre eles o comodismo humano diante do avanço tecnológico.
Além disso, o escritor quebra o conceito de “Frankenstein” em obras que possuem robôs como protagonistas ou membros importantes da história. Dessa forma, Asimov mostra que existem histórias além do estereótipo de “robô malvado” que se volta contra seu criador.