Faça valer a pena.” – Andor, Cassian

O terceiro arco da segunda e última temporada de Star Wars: Andor tem início com um salto temporal para o ano 2 a.BY. Essa elipse narrativa, marca registrada da série, evita expor detalhes explícitos sobre o que ocorreu no intervalo de tempo, exigindo que o espectador conecte os pontos por conta própria. A trama avança com sofisticação, conduzindo o público à reflexão e à reconstrução subjetiva dos eventos, uma estratégia ousada que se alinha à identidade criativa da produção.

Diferentemente dos acontecimentos em Ghorman, diretamente abordados por meio das transmissões imperiais que permeiam o episódio “Mensageiro” (2×07), os desenvolvimentos dos personagens centrais ocorrem de forma mais sutil. Cassian Andor, por exemplo, afasta-se de Luthen Rael após interpretá-lo como um traidor e passa a atuar entre os rebeldes mais militarizados em Yavin-4. Ferido no ombro durante os meses ausentes, ele surge mais maduro e desconfiado. Já figuras como Bix, Wilmon, Mon Mothma, Syril, Dedra e Vel também revelam novas camadas de complexidade emocional.

A liberdade como luxo inalcançável

Review | Star Wars: Andor T02 x 07 a 09 - Mensageiro / Quem É Você? / Bem-Vinda à Rebelião
Reprodução: Disney+

Cassian continua sendo um homem assombrado por dúvidas. Seu maior desejo, o de poder escolher livremente o que fazer, revela-se um privilégio inalcançável em uma galáxia controlada pelo Império. Ainda assim, ele tenta abandonar a vida de missões arriscadas para viver ao lado de Bix. Mas é ela quem, diante da hesitação de Cassian, toma a decisão de afastar-se, percebendo que sua presença pode ser o motivo que o impediria de continuar lutando pela Rebelião.

A conversa entre os dois na noite anterior é reveladora. Cassian acredita não ser especial, apenas alguém cuja sorte o manteve vivo até aqui, uma percepção que sabemos ter prazo de validade. Contudo, Bix, mesmo com a ajuda mística de uma curandeira que mistura força espiritual e charlatanismo, reconhece o valor singular do rebelde. O público também o reconhece. Desde Rogue One, está claro que Cassian é capaz de tomar decisões extremas pela causa, sempre com firmeza e convicção.

O massacre de Ghorman sob múltiplos pontos de vista

Review | Star Wars: Andor T02 x 07 a 09 - Mensageiro / Quem É Você? / Bem-Vinda à Rebelião
Reprodução: Disney+

O episódio “Quem É Você?” (2×08) apresenta a missão de Cassian de assassinar Dedra, mas rapidamente revela que esse objetivo era apenas um artifício narrativo. O verdadeiro foco é o massacre de Ghorman, mostrado sob a ótica do protagonista, que atua quase como um observador impotente. Cassian percebe de imediato que há algo errado na movimentação imperial, mas nada pode fazer para evitar o desfecho trágico.

O roteiro também amplia a perspectiva ao mostrar os acontecimentos pelos olhos dos agentes do Império. Dedra, manipulada por Partagaz, manipula Syril, criando uma teia de desinformação, ambições frustradas e jogos de poder. O espectador é convidado a sentir empatia não só pelas vítimas civis, mas também por esses peões do sistema imperial, aprisionados em uma estrutura de opressão que sequer compreendem por completo.

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É compreensível que parte do público enxergue este arco como o momento em que a temporada finalmente “engrena“. No entanto, essa leitura desconsidera o valor fundamental da construção gradual realizada nos episódios anteriores. Sem essa base sólida, a força dramática de episódios como “Mensageiro“, “Quem É Você?” e “Bem-Vinda à Rebelião” seria comprometida.

A série demanda do espectador atenção e paciência para compreender a complexidade da Rebelião em seus estágios iniciais. Os conflitos internos, a ausência de unidade estratégica e a manipulação de informações por todos os lados criam uma rede densa de tensões que só se revela por completo com o tempo. Esse desenvolvimento torna momentos-chave mais impactantes, como a fúria de Mon Mothma ao descobrir a traição de seu secretário ou o sofrimento silencioso de Bix.

Um retrato maduro da rebelião e do Império

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Reprodução: Disney+

As relações entre Dedra e Syril, bem como a frustração deste último ao ser questionado por Cassian durante o caos, exemplificam a riqueza psicológica da narrativa. As dúvidas de Cassian, por sua vez, ganham contornos mais humanos e críveis à medida que ele confronta seus próprios limites morais e existenciais. Tudo isso seria impossível de captar sem o ritmo contemplativo que Tony Gilroy imprime à série.

Diferente de muitas obras do universo Star Wars, Andor evita o espetáculo fácil. Ação sem construção é como fogos de artifício, visualmente atraente, mas vazia de significado. Aqui, cada momento de tensão e confronto carrega o peso de escolhas difíceis e consequências profundas.

Mais do que uma série derivada, Andor é uma afirmação criativa em uma das maiores franquias da cultura pop. Tony Gilroy não apenas subverte expectativas, mas eleva o conteúdo a um patamar artístico raro em produções de grande escala. A jornada de Cassian Andor torna-se, assim, metáfora do próprio projeto: uma rebelião contra fórmulas prontas e narrativas superficiais.

Ao oferecer uma trama com densidade emocional, complexidade política e profundidade psicológica, Andor se consolida como uma das obras mais sofisticadas já produzidas dentro do universo Star Wars. É um lembrete de que a ficção científica pode, e deve, dialogar com questões reais, humanas e universais. E que prazer foi, ainda que brevemente, ouvir Alan Tudyk novamente como K-2SO.