Cadê a Abby?

O episódio “Sinta o Amor Dela” de The Last of Us apresenta uma guinada significativa na trajetória emocional de Ellie, ao mesmo tempo, em que aprofunda sua relação com Dina. Desde o título, que inicialmente pode remeter de forma provocativa ao relacionamento das personagens, até seu verdadeiro significado revelado mais à frente, o capítulo instiga interpretações diversas, embora parte do público talvez não perceba essa conexão.

É compreensível que haja críticas ao desenvolvimento do romance entre Ellie e Dina, especialmente quanto a alguns diálogos pontuais. No entanto, a cena de intimidade entre as duas, alvo de polêmicas nas redes sociais, não é gratuita. Pelo contrário, ela já vinha sendo construída desde o início da temporada, funcionando de forma orgânica dentro da narrativa. Esse momento segue a tradição de obras de ação, horror e aventura ao explorar vínculos afetivos em meio ao caos, algo que se encaixa perfeitamente com o arco emocional de Ellie. Também não se sustenta a crítica de que a personagem “esqueceu Joel”, o luto está presente, ainda que de forma simbólica, sobretudo através do violão, que atua como elo entre passado e presente.

Review | The Last of Us 2: Sinta o Amor Dela (Feel Her Love)
Reprodução: Max

O roteiro de Craig Mazin adota uma abordagem gradual e silenciosa para explorar a crescente escuridão em Ellie. Mas, curiosamente, esse desenvolvimento parece acelerar de forma abrupta neste episódio. A transição até a cena final com Nora, por exemplo, ocorre com certa pressa, atropelando nuances emocionais da protagonista. A brutalidade com que Ellie age já nesta fase poderia ter sido mais bem lapidada. Ainda assim, há indícios claros dessa virada, como o momento em que ela toca violão pela segunda vez, resgatando memórias de Joel e prenunciando a violência contida que está prestes a emergir.

Sinta o Amor Dela” representa um divisor de águas para Ellie. A personagem assume um comportamento cada vez mais egoísta e impulsivo, optando por abandonar Jesse e Dina para seguir sua busca por vingança. A brutalidade contra a já debilitada Nora revela como Ellie está cada vez mais disposta a cruzar limites morais. Essa transição, embora intensa, talvez ocorra cedo demais, considerando o ritmo mais paciente dos episódios anteriores.

O episódio também se destaca por reintroduzir os esporos do fungo Cordyceps, uma ausência sentida na primeira temporada. Aqui, o elemento retorna como um indicativo da evolução biológica da infecção, ampliando a mitologia da série. A tensão entre as facções WLF e Serafitas segue sendo trabalhada, ainda que com menos ênfase. O foco permanece centrado em Ellie e Dina, sem desviar para núcleos paralelos, o que ajuda a reforçar o elo emocional das protagonistas.

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Isabela Merced continua a se destacar como Dina, entregando uma performance sensível e carismática. Já Bella Ramsey mantém um trabalho consistente, embora o roteiro por vezes prejudique sua personagem com reações impulsivas e falas ríspidas que a tornam coadjuvante em momentos-chave. Ainda assim, o relacionamento entre Ellie e Dina segue sendo um ponto alto do episódio, equilibrando ternura e tragédia.

A direção de Stephen Williams opta por um horror mais contido, deixando de lado os grandes set-pieces do episódio anterior. A construção das cenas é marcada por tensão crescente, uso inteligente da linguagem visual e horror corporal. Destacam-se os blocos envolvendo os stalkers e a sequência subterrânea em Lakehill, visualmente impressionante graças à excelente direção de arte. Em contraste, cenas de ação como o embate na floresta e a perseguição a Nora carecem de inspiração, com uso limitado dos espaços e certa falta de verossimilhança na infiltração de Ellie.

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Apesar de alguns tropeços, especialmente na aceleração de certos arcos emocionais, “Sinta o Amor Dela” é um episódio poderoso e necessário. Ele cobre apenas o segundo dia da estadia em Seattle, mas consegue condensar temas complexos, como luto, culpa e moralidade, em um roteiro que alterna leveza e brutalidade com desenvoltura. O uso da paleta vermelha para simbolizar a sede de vingança de Ellie é eficaz, embora óbvio, e prepara o terreno para uma fase ainda mais sombria da protagonista.

Bella Ramsey, frequentemente subestimada, mostra aqui que domina com competência o retrato de uma Ellie mais fria e impiedosa. O episódio termina com uma promessa instigante, o retorno de Joel em um possível flashback no próximo capítulo. E a aproximação de Tommy, Dina e Jesse da espiral emocional da protagonista. Resta saber como a série equilibrará os próximos eventos com a já latente guerra entre as facções, por ora, deixada em segundo plano.