Estamos celebrando a semana em que se comemora o Dia Mundial do Livro (23 de abril). Estamos trazendo a opinião de autores sobre como o livro e a leitura estão presentes no mundo atual. Um contexto marcado por informações rápidas e tecnologia, fato que impacta diretamente na literatura. 

Dessa forma, precisamos descobrir como a leitura se insere nesse contexto. Mas uma opinião é comum entre todos os autores: o livro é uma fonte inesgotável de sabedoria, e suas histórias levam os leitores às mais diversas reflexões. 

Confira as opiniões das escritoras Rayeang, Bárbara Mançanares e Lella Malta sobre o livro atualmente e como a sabedoria é transmitida pela literatura através do tempo, sempre seguindo a questão:

Em um mundo dominado pela tecnologia, pela informação rápida e pela desinformação, qual a importância do livro como objeto físico e como experiência de leitura mais imersiva e reflexiva?

Rayeang, Bárbara Mançanares e Lella Malta | Crédito: Divulgação

Para a escritora e musicista Rayeang, o livro é uma oportunidade de recuperar um tempo que muitas vezes não temos. Dessa forma, a sabedoria passa de geração em geração:

Esse tema me faz lembrar uma frase que li em algum lugar: “Se quer ter novas ideias, leia velhos livros”. Viajando na proposta da frase, há uma sabedoria infinita no passado, no que está enraizado e existe sem pressa. Vivemos para além do presente, vivemos no agora, que é rápido e exige muito. Ler um livro é saborear um tempo que é nosso e nos é constantemente roubado. Ler um livro é ter tempo. Nos tempos atuais, não existe nada mais sagrado do que isso.

Bárbara Mançanares é poeta e bordadeira. Para ela, as redes sociais mudaram a percepção e a interpretação dos leitores. E isso vai influenciar diretamente a leitura:

O consumo excessivo de telas, de redes sociais, tem moldado nossos interesses, referências, capacidade de interpretação e concentração. Penso no livro e na leitura como formas de subverter as regras da nossa sociedade, em que o viral, o engajamento e o consumo estão acima de qualquer coisa. Se, na internet, rolamos o feed ininterruptamente, sem nos atermos a nada, ao mesmo tempo que temos acesso a tudo (um “tudo” muitas vezes questionável e que prega uma verdade única), no livro ainda é preciso passar página por página para construir os sentidos, vivenciando assim um tempo mais lento e criativo.

Já a escritora e preparadora Lella Malta enxerga o livro como “talvez a única armadura que nos resta”. Ela ressalta que o livro é fundamental para compreender o desenvolvimento educacional de um país, assim como demonstra preocupação com o cenário brasileiro atual:

Toda prateleira de livros — da sua casa, da livraria pomposa da esquina ou da biblioteca municipal que cai aos pedaços — é sustentada por vigas invisíveis pertencentes a uma estrutura econômica. A metáfora, ainda que simplória, faz recordar o conceito de materialismo histórico, que encara a sociedade como um edifício erguido sobre uma infraestrutura composta pelas relações de produção.

Se o cotidiano é terreno fértil para a ficção, permita-me, antes de mais nada, desenvolver uma breve narrativa. Prometo voltar à prateleira em breve. Uma empregada doméstica, analfabeta funcional e mãe solo, sai às 4 da manhã de casa e enfrenta quase duas horas de trânsito, em um coletivo lotado, até o trabalho. No fim da tarde, faz percurso inverso, com duração estendida devido ao horário do rush. É assim todo dia útil, o mês inteiro. 

A remuneração, de um salário-mínimo, é distribuída para pagar o aluguel, colocar a comida dos cinco filhos na mesa, quitar a água e a luz. A conta não fecha. Por isso, faz uns bicos no fim de semana na tentativa de fechar o mês no azul. Não sobra um trocado para mais nada. Erro ao falar de ficção quando narro a realidade: Se o brasileiro lê pouco, é porque, antes de mais nada, precisa sobreviver.

Carentes historicamente de políticas públicas que ampliam o acesso ao livro, não tomamos gosto pela leitura, não nos familiarizamos com nossos autores, não construímos uma cultura de valorização de escritos que independe de classe social, mas é ainda mais gritante entre aqueles que pouco têm. Muitos nem sequer sabem ler — ainda que a educação seja inerente à própria cidadania. Quem tem sorte de ser alfabetizado pode ter enfrentado uma escola defasada, longe de ser espaço de garantia de inclusão. 

Apesar de um cenário tão triste, continuo acreditando que as tais prateleiras carregam o peso — e os segredos — da força motriz das grandes transformações.