O que torna uma pessoa leitora? O que diferencia uma pessoa que gosta de ler de uma que não gosta? Ser um leitor implica em comprometimento e a criação de um hábito de leitura, uma vez que se torna entretenimento e aprendizado. Apesar de muitos verem como uma obrigação. 

Nesta semana do Dia Mundial do Livro, o GeekPop News está ouvindo vários autores sobre como o livro é tratado atualmente. Camila Anllelini, Michael Maia e Madu Sansil falam sobre como a leitura é uma experiência individual. Também falam como o leitor se refugia nas páginas de um bom livro, assim como o tema é interpretado de acordo com cada um.

Confira a opinião dos escritores sobre a relação entre livro e leitor

Camila Anllelini é escritora e psicanalista. Ela fala que ler um livro físico é um “ato de resistência”, assim como defende a importância do texto impresso como parte da rotina do leitor:

Em um mundo de imperativos instantâneos, ler um livro físico é ato de resistência. Nenhuma experiência virtual poderá se assemelhar ao cheiro das páginas e seu barulho quando os dedos viram buscando a próxima frase, uma obra impressa convida à desobediência do tempo útil. Com um livro físico, o leitor cria uma relação, precisa lembrar de levá-lo à consulta médica, saber onde parou o assunto da última vez, quando cai o marcador de páginas. Se o mundo virtual é a representação radical do efêmero, um livro é o símbolo contrário, atravessa gerações e se recusa a tomar posse de ultrapassado.

Já para o escritor Michael Maia, precisamos compreender o contexto complexo no qual estamos vivendo atualmente. Ele defende o livro como uma ferramenta que forma “caráter e pensamento”, assim como o ponto de partida da curiosidade:

Acho importante, antes de tudo, entendermos a situação e o lugar em que nos encontramos, nos deparar com a tecnologia (que só avança) e a pluralidade de informações a todo tempo nos projeta para um lugar de leitores/autores ao mesmo tempo. Todos podemos ter opiniões sobre diversos temas, porém é aí que vem o lugar do livro, é através dele que nos baseamos, que formamos caráter e pensamento.

Ele nos convida à pausa, à imersão, é uma âncora em meio a tantas informações. E a tecnologia pode dialogar com os temas que o próprio livro traz para a sociedade, não é interessante quando terminamos uma leitura e vamos buscar fóruns, vídeos, debates sobre aquela obra?

Nada substitui a experiência de um livro e as interpretações que ele nos dá, mesmo que o seu pensamento irá para outro caminho daquilo que foi tratado na narrativa, ele é seu, nenhum algoritmo fará isso para você. O pensamento pós-livro é uma extensão daquilo que se lê.

A poeta Madu Sansil relembra que o livro literário, assim como todas as expressões artísticas, carregam um papel “humanizador”. Além disso, o livro permite a interpretação crítica de temas relevantes no mundo atual, isso de forma particular para cada leitor:

Peço licença para, como poeta, dedicar minhas palavras principalmente ao livro literário. Defendo, logo de início, que a literatura não tem uma função utilitária, como poderia ter um livro de geografia física ou de física quântica. A arte deve existir sem amarras, sem justificativas. Mas, apesar disso, toda expressão artística carrega em si um papel humanizador importante. 

Como diria Antonio Candido no século passado, uma obra literária, como outros livros do que chamamos de não ficção, traz em si “o bem” e “o mal”, nos expondo, leitores, a essa dualidade, que nos faz refletir sobre a própria existência. Seu conteúdo está aí.

É a partir dessa exposição, adaptando as reflexões de Candido, que o livro enriquece a nossa percepção e a nossa visão do mundo, nos ensinando a viver. A obra literária se torna, portanto, indispensável no processo de humanização, atuando inclusive no subconsciente e nos permitindo construir a nossa humanidade. 

Considerando a realidade do século XXI, o livro, em um mundo de vídeos de 30 segundos e fake news publicadas até pela grande mídia, nos permite mergulhar em uma experiência de reflexão mais imersiva e extensa, sendo um espaço aberto para que possamos aprender a ler criticamente as palavras e o mundo, sem a pressa e a pressão do existir on-line – ou pelo menos, assim deveria ser.

Abrindo espaço para que o meu eu linguista se manifeste, não tenho como não enxergar ainda a conexão entre a preparação para viver em um mundo de desinformações constantes e o poder humanizador da leitura, o hábito de reflexão e o desenvolvimento de um posicionamento sobre o eu, os outros e o espaço. 

Quem lê e cultiva o hábito questionador que a literatura permite, ainda que não tenha essa função utilitária e ainda que seja ficcional, leva esse hábito para outros âmbitos da vida, porque ele fará parte da sua própria natureza enquanto sujeito. Assim, a leitura imersiva e reflexiva de um livro dá fôlego para que seja possível viver – ainda que não seja sua obrigação.