O advento dos jogos digitais já não é novidade para a população como um todo. Juntamente com esse novo mundo de possibilidades e fluidez tecnológica vieram incrustadas culturas e identidades que ultrapassam o dia a dia e transcendem telas coloridas com jogos diversos.
Pela primeira vez, um “gamer” tornou-se um ser social para um grupo que também jogavam videogames no final da década de 70, não ultrapassando esta bolha, contida em fliperamas e centros de RPG escondidos e contidos em um pequeno espaço de ideias semelhantes.

Com o tempo, chegando aos dias atuais, as culturas dos jogadores que evoluiram e conquistaram uma parcela maior de aliados com mesma aparência ideológica, nutrindo sentimento de exclusão e movimentações instintivas estranhas àqueles que tentavam entrar em sua bolha já pre-definida, passaram a ser reconhecidas como “culturas tóxicas” que consistem na exclusão daqueles que não se assemelham à um determinado molde.

Assim como todos os assuntos, em que há a multiplicidade de conceitos e opiniões, a toxidade, que muitas vezes é regada de preconceito e ameaças físicas, é há alguns anos estudada por diversos pesquisadores, que utilizam diferentes critérios para descrever as mesmas coisas.
Dito isto, após semanas de pesquisa e verificação comportamental, este texto busca catalogar de forma abrangente a visão geral da participação do ódio em jogos, incluindo medir comportamentos e suas variantes, juntamente com quais impactos sociais e psicológicos poderão ser desencadeados através de fundamentos potenciais.

Através do desenvolvimento do ambiente de jogos digitais, um “gamer” tornou-se uma nova categoria social para o grupo de indivíduos que jogavam videogames, no entanto, com a popularização e o crescimento dos próprios jogos e seus consumos, o termo “gamer” cresceu e mudou. Atualmente este termo não representa apenas os jogadores, mas sim diferencia os “jogadores” movimento subcultural, movimento este demonstrado por Grooten e Kowert em 2015 em artigo publicado com conceito científico e sociocultural para a Universidade Estadual de Michigan.

Segundo Grooten e Kowert a ousadia introspectiva expressada por pessoas inclusas neste meio específico em que jogadores se encontram, se fariam presentes em escolhas de roupas, referências utilizadas em uma conversa simples ou mesmo como se veêm em relação a seu próprio grupo como uma família que faz parte de um lugar no mundo.

Sendo um fator relevante para chegar ao ponto em que culturas tóxicas fossem diretamente ligadas ao mundo gamer, um fenômeno interessante observado durante os anos foi o abrigo que hostilidade e exclusão mostradas em game, pelo fato de que os antes excluídos socialmente por fazerem parte da fatia “nerd” no mundo, davam o direito de serem retratados tirando da bolha todos aqueles que não faziam parte do perfil específico criado através dos anos.

Em sua raíz, “culturas de jogadores tóxicas” refere-se à prevalência de comportamentos desviantes dentro dos jogos, protegidos pela ideia de que ao estarem “protegidos pelo anonimato” aproveitam desta situação para sustentar normas culturais construídas, o que segundo pesquisadores há uma certa normalização em diversas condutas que seriam inaceitáveis em situações reais do cotidiano. Aí é que está a grande questão: um game que está sendo jogado mesmo que dentro de casa, interagindo com pessoas reais, não seria uma forma de interação real e cotidiana? O respeito e valores prestados no dia a dia não devem ser utilizados como fonte de conduta?

Talvez uma das primeiras e grandes ideias que deveriam ser trabalhadas é que não estamos em uma matrix quando conectados em jogos de qualquer espécie. Somos pessoas interagindo com outras pessoas, humanos com sentimentos, pensamentos diferentes ou iguais aos nossos. Atualmente cada vez menos pessoas tem contato físico com outras pessoas, o que aos poucos nos dá a sensação equivocada de que quem está do outro lado da tela não passa de um NPC.

Regimentos da cultura tóxica de jogadores

O motivo da existência e início de jogadores hostis e preconceituosos acharem que estão em um local sem regras de convivência mínima aceitável é uma questão ainda hoje levantada por diversos estudiosos na área de técnologia e neurociência. Após diversas pesquisas sobre artigos de Universidades prestigiadas do EUA e Canadá, fatores ambientais, comunitários, demográficos e de jogo que contribuem para a criação e sustentação de toxidade em jogos e culturas de jogadores devem ser levadas em consideração e serão esmiuçados abaixo:

Fatores ambientais e comunitários

Estes são os primeiros a serem considerados ao analisar o comportamento inadequado em espaços online. Kordyaka – EUA discute três deles – teoria social cognitiva, teoria do comportamento planejado e o efeito de desinibição online, em resumo a teoria social cognitiva argumenta que os indivíduos aprendem comportamentos tóxicos em jogos por meio de aprendizado social, ou seja, qualquer cultura pré-existente de jogadores tóxicos dentro de jogos perpetuaria a toxidade.

Já na teoria do comportamento planejado, escrita por Ajzen em 1991, argumenta que as intenções de um indivíduo de se envolver em um comportamento tóxico se baseiam no contexto específico da situação, ou seja, as pessoas podem se comportar negativamente em relação aos outros se isso for aceito como uma norma de grupo, pode-se dizer então que após anos contando com colegas de mesmo pensamentos “morando em uma mesma bolha exclusa” normas inaceitáveis tornam-se aceitáveis.

Outra teoria importante a se dissecar é a desinibição online, em que segundo Suler em 2004, trás a ideia de que enquanto você está interagindo na internet, outras pessoas não podem vê-lo, o que te torna um ser herói com poderes de invibilidade. Esta invibilidade é uma das maiores forças motrizes do comportamento tóxico, pois é neste espaço ideal que pessoas aproveitam para ultrapassarem fronteiras sociais com pouco senso de repercussão e empatia.

Talvez seja possível se dizer que atos de extremo preconceito não seriam ditos frente a frente pela mesma pessoa incumbida de retaliação online, já que ao saber seu verdadeiro nome provavelmente os xingamentos e obcenidades não seriam levados para frente. Na opinião da autora que vos fala, talves, através dos anos o que se criou foi uma espécie de Matrix, em que você poderia ser outra pessoa (anônimo), voar e lutar (agredir pessoas com palavras e ações em game), mas se morrer na Matrix você morre na vida real (se for descoberto e sair do anonimato você pode sofrer consequências criminais tanto cíveis quanto penal).

Como exemplo de prova a esse comportamento foi uma pesquida delagada por Wright em 2013, em que foi observado que ao remover o anonimato de um site de mídia social, o comportamento “trolling” foi reduzido em quantidade expressiva, ou seja, ao manter o anonimato há uma desinibição desenfreada que trás pensamentos preconceituosos à tona.

Fatores de jogo

Existem também fatores a serem considerados em relação ao gênero de jogo, é observado que às vezes o desequilíbrio entre níveis de habilidades dos jogadores e o desafio do jogo, geralmente desencadeiam comportamentos tóxicos. Segundo Hilvert-Bruce e Neill em pesquisa realizada em 2020, jogadores entrevistados relataram que ofensas são mais aceitáveis e toleráveis quando ocorre online, que necessitam de colaboração.

Embora entender por que esse comportamento ocorre seja um lado da moeda, entender sua prevalência e impacto é o outro, em estudo realizado por estudantes da Universidade de Mishigan em 2019, foi descoberto que 80% dos jogadores disseram acreditar que o jogador médio faz comentários preconceituosos enquanto joga online. Um relatório da ADL relatou que 74% dos adultos que jogam jogos multiplayer online nos EUA experimentaram alguma forma de assédio.

Um questionamento após semanas de pesquisa e foi inevitável após a leitura de vários artigos conceituais sobre o assunto, é sobre os reais preconceitos humanos. Será que apenas os gamers, pessoas que ficam atrás de uma tela de computador ou televisão, ainda mantém um pensamento delirante fruto de um preconceito enraizado e não descontruído? Ou será que milhares de pessoas com vida física-social teriam um comportamento parecido caso não fossem reconhecidas ou tivessem nomes fictícios?

O mundo gamer abre portas para uma discussão comportamental sem levar em consideração jogos em si, jogos foram feitos para serem jogos, elevarem a imaginação e criarem momentos ou situações que não existem, enquanto a interação entre pessoas, mesmo que em situações de jogos devem ser respeitosas e empáticas. A empatia é sem sombra de dúvidas um dos pilares para uma grande evolução humana, é a partir do desenvolvimento dela, que mudanças serão feitas gradualmente, tanto no dia a dia quanto no próprio conteúdo que futuramente poderá ser escolhido para se jogar.

Trazer à tona os gamers como uma pequena parcela da humanidade, pessoas que jogam e são preconceituosas esbanjando toxidade, podem ajudar a compreender o que faz um ser humano ser capaz de utilizar palavras e demonstrar atitudes deploráveis em uma simples jogatina.

Grandes problemas na sociedade talvez sejam resolvidos com pequenos gestos. Não é raro ver, após uma chuva de ofensas em um jogo online, quando alguém que foi ofendido diz frases apaziguadoras, a consciência de alguns jogadores acabem entrando em funcionamento e atitudes são repensadas. Pelo menos na sociedade dos gamers pequenos passos são de grande valia em situações adversas.

Eu poderia sim, trazer como exemplo problemas enfrentados por mim pelo simples fato de ser uma garota que se inseriu em um mundo cheio de pessoas com padrão específico e sofre preconceito desde então, mas, você que está lendo provavelmente sabe ao que me refiro. Buscar informações para soluções plausíveis que não inibam as pessoas de serem o que são mesmo que o verdadeiro eu destas seja repleto de preconceito enraizado, é o primeiro passo para que se encontre formas sutis de evoluir seus pensamentos e ajudar a transformar a gameplay diária de muitos no momento mais que preferido do dia.

O fator principal que deve sempre ser levantado e lembrado ao final de qualquer pesquisa que tente falar sobre os problemas comportamentais dos gamers ao qual eu, Aline Fernanda escritora e streamer faço parte desde os três anos, é que o respeito é o principal pilar do desenvolvimento de uma civilização saudável. Passar horas jogando imaginando-se em um planeta distante, desafios aliens ou proteger um Nexus do Summoner’s Rift, não nos torna imunes ao mundo em que vivemos, pois estamos vivendo ao escolher passar o dia jogando. Assim como nós, outras pessoas fizeram essa mesma escolha e devem ser respeitadas independente de qualquer diferença física, corpotamental, de vestimenta, religiosa ou de gênero que possa existir. Se divertir e fazer amizades com pessoas de outros lugares sempre foi nosso maior diferencial e de jeito nenhum podemos excluir uma pessoas que está descobrindo este mundo maravilhoso ao qual fazemos parte. Afinal jogar sempre foi uma maravilha!