Ao longo da minha vida, principalmente como fã de animações japonesas, o Studio Ghibli me apresentou obras pontuais que dialogam com momentos cruciais que vivi. “Sussurros do Coração” de 1995, dirigido por Yoshifumi Kondō, me recordou sobre a minha adolescência. O filme conta a história da jovem Shizuku Tsukishima, que possui um amor único pela literatura. No entanto, durante a sua maratona de leitura, ela descobre um nome em comum com as obras que entra em contato. A partir disso, acompanhamos Shizuku na procura de Seiji Awasama, o nome que aparece nos cartões de biblioteca. O que pensava ser uma simples história de amor se mostrou uma procura pelo o auto entendimento sobre crescer e, principalmente, se encontrar no jornada do amadurecimento. Se possível, leia o texto escutando a trilha do filme.
Todos possuem sussurros no coração
Todo aspirante a escritor possui traços idênticos ao de Shizuku. Somos movidos por uma boa história e temos a facilidade de demonstrar o que sentimos por meio de pequenos textos. A protagonista de Sussurros no Coração é a síntese da alma que se entrega à escrita — assim como Seiji, que se entrega ao sonho de construir violinos, mesmo sendo um músico fantástico. Em cada esquina criamos histórias momentâneas, que dialogam com a nossa vida naquele momento, preenchendo lacunas com personagens inusitados. Somos donos da nossa visão de mundo.
Quando Shizuku corre atrás de Moon, aparentemente um gato de rua, ela comenta sobre a possibilidade daquele trajeto se transformar em uma história única, o que de fato acontece. Acompanhando Shizuku em sua rotina, descobrimos que ela está em transição para o ensino médio, por isso a preocupação de todos em relação a seu hábito de leitura e seus devaneios. Para alguns, essa paixão pela leitura é preocupante, sendo preferível ler coisas mais “sérias” ao invés de fantasias.
Shizuku, eu e o nosso amor pela literatura
Nunca fui um exemplo de aluno, muito menos era o mais era o mais dedicado. No entanto, minha vida sempre esteve repleta de fantasia. Todas provenientes de uma sede insaciável pelo desconhecido que se encontrava nas prateleiras da biblioteca da escola que estudava. Porém, confesso que estar imerso ao mundo dessas histórias fazia com que eu não enxergasse o mundo tangível e cinza dos livros didáticos. Dessa forma, criei meu próprio “método” para entendê-los.
Na maioria das vezes, principalmente em histórias de época, me pegava imerso na curiosidade em ler um livro de história. Quando era uma narrativa lógica, futurista ou algo do gênero, que necessitasse de um breve conhecimento de algum conceito criado em mil seiscentos e bolinhas, me entregava aos livros de matemática — mesmo sendo, até hoje, uma negação para o tema. Dessa forma, confusa para os demais, encontrei meu próprio ritmo de estudo, recheado de caravelas fantasiosas, onde meus neurônios desembarcavam na ilha da imaginação guiados pela racionalidade que o sistema pedia, juntando o útil ao agradável.
Na trama do filme, após Shizuku descobrir o amor que motivava Seiji na construção de seu futuro, ela pergunta a si mesma se ela possui algo parecido. É neste momento que ela se vê em uma encruzilhada originária por algo que ela ainda não possuía: a vontade de crescer. Isso não significa que ela não pretendia ter um futuro ou não pensava nisso. Ela somente não havia chegado nesse capítulo da sua própria história — nem todo mundo segue o mesmo ritmo que a academia e todoas em sua volta esperam, mesmo sendo uma aluna dedicada.
Enfim, os sussurros
Após saber que Seiji iria para a Itália, Shizuku tem a sua primeira quebra com a realidade. Ela havia recentemente descoberto o amor e ele iria para outro país seguir o próprio sonho. Shizuku, então, quer entender o que é esse sentimento que faz com que você atravesse o oceano atrás de um futuro incerto. Nesse momento, ela decide escrever a sua própria história, passando por uma espécie de teste.
Essa atitude provoca uma queda brusca em seus estudos e, consequentemente, em suas notas na escola, desencadeando a preocupação dos professores e de seus familiares. Em um certo momento, me peguei com o mesmo sentimento desses citados há pouco, preocupado com a protagonista. Porém, quando olhei para o meu passado vi que estava mais próximo de Shizuku do que imaginava.
E me fiz a mesma pergunta que fazia na escola: do que adianta entendermos a soma dos quadrados da hipotenusa se não conseguimos imaginar um caminho para o nosso próprio futuro? E futuro aqui aplico ao sentimento de estar seguindo o que amamos, não necessariamente o que os outros esperam da gente.
Às vezes, nossas preocupações se atentam muito ao senso-comum de inteligência. Se não conseguirmos encontrar o valor de x em uma equação, não conseguiremos nos sustentar e, provavelmente, nossa vida não será “útil” para a sociedade da qual estamos inseridos. As pessoas esquecem que existem formas variadas de inteligência, sendo a escrita uma delas. Ou a arte, a música, a linguística, entre outros. Nem tudo precisa ser tradicional.
A inquietude é o silêncio de uma mente imaginativa
São nessas mentes inquietas, como a de Shizuku, que encontram-se os sonhos de uma geração em torno da liberdade presente em nossos corações. E eles sempre dizem, mesmo que baixinho, em forma de sussurros: você não é o que esperam de você, encontre o seu caminho, viva sua história e escreva o seu futuro. Peço desculpas a quem esperou uma crítica do filme ou algo parecido. Existem obras que não dialogam com a nossa expectativa racional, mas sim com os nossos corações. Eu não atendi a expectativa de muita gente. Escolhi seguir o meu próprio caminho, atendendo aos amores que a vida me apresentou, e não me arrependo disso.
Talvez seja isso que Sussurros do Coração queira mostrar.