Guerra Civil não se contenta em ser mero entretenimento. É um espelho brutal da realidade, um lembrete pungente dos perigos do extremismo, da polarização política e da fragilidade das instituições democráticas.

Sob a direção de Alex Garland, mestre do suspense e da ficção científica, somos colocados em uma jornada claustrofóbica por uma América em frangalhos, testemunhando atrocidades e a fragilidade da civilização à beira do colapso.

O filme e a história

O longa começa bem no meio da guerra, com um pronunciamento do Presidente dos Estados Unidos. É um começo bem diferente da maioria esmagadora de filmes de guerra em que os EUA estão envolvidos. É perceptível logo no começo que não se trata de mais um filme entre o bem e o mal, mas sim uma guerra entre entes do mesmo país. Estamos acostumados a ver filmes assim sobre países africanos ou do oriente médio, o que mostra a coragem e a ousadia de Garland e toda sua equipe.

Com atuações poderosas de Wagner Moura, Cailee Spaeny e Kirsten Dunst, o filme nos leva a uma jornada claustrofóbica por um país em chamas, confrontando-nos com as duras realidades da violência, do fanatismo e da desumanização.

Logo nos primeiros minutos, somos jogados em um mundo em colapso. A câmera frenética acompanha a equipe de jornalistas liderada por Moura e Dunst enquanto eles cruzam um país devastado pela guerra.  É importante frisar que esse é um filme que, apesar do nome, tem um foco muito específico, o olhar do jornalismo de guerra sobre os fatos narrados (ou as narrativas delas). É através dessa narrativa que entendemos o desenrolar da tal guerra e todas as suas nuances. 

O espectador acompanha durante todo o filme a saga desses jornalistas em mostrar os fatos, através das fotos e das entrevistas. Mas não se preocupe, a história não é contada como se fosse um documentário, não, na verdade, a fluidez do roteiro é surpreendente. Tudo funciona como deve funcionar, o roteiro é justinho, com pouca margem para dualidades.

Superprodução da A24 GUERRA CIVIL (Civil War)
Divulgação/Diamond Films

Ação do começo ao fim em Guerra Civil

As cidades estão em ruínas, as ruas tomadas por milícias armadas e a população vive em constante medo. A sensação de opressão é palpável, e Garland não se furta em mostrar a brutalidade dos combates e o sofrimento dos civis.

O roteiro é afiado e complexo, tecendo uma narrativa que vai além dos tiroteios e explosões. O foco principal está nos personagens e em suas lutas para sobreviver em meio ao caos. Moura, Spaeny e Dunst entregam atuações memoráveis, capturando a angústia, o desespero e a crescente descrença em um futuro melhor.

As semelhanças com eventos reais são perturbadoras, e Garland nos força a questionar até onde podemos chegar quando a violência e o ódio tomam conta da sociedade. No atual cenário mundial da nossa realidade aqui fora das telas, com duas guerras ocorrendo na Europa e no Oriente Médio, não é difícil levantar questionamentos sobre como se dão essas batalhas, e como não são como as narrativas políticas querem que saibamos.

A importância do trabalho jornalístico em guerra é colocada em foco aqui, corajosos jornalistas que colocam suas vidas em risco para que o mundo possa saber como é a realidade em um campo de batalha, quem são as pessoas que lutam, que morrem, que sofrem.

Imersão sensorial brutal: A técnica a serviço do espectador

A técnica no filme da A24 se eleva à altura da narrativa, criando uma experiência imersiva e visceral que nos coloca no centro do conflito. A fotografia impecável de Rob Hardy captura a beleza decadente das cidades em ruínas e a brutalidade dos combates com uma precisão quase documental. Cada quadro transborda realismo, desde os detalhes dos rostos sujos dos personagens até a poeira que paira no ar.

O som, por sua vez, é um personagem crucial em si. Os barulhos ensurdecedores dos tiroteios, as explosões que abalam o solo logo ao lado dos protagonistas e os gritos dos civis em pânico criam uma atmosfera sufocante de tensão e desesperança. A trilha sonora original complementa perfeitamente a ação, com melodias melancólicas e dissonantes que amplificam o clima de desolação e o sentimento de perda.

É sem sombras de dúvidas um dos filmes mais poderosos dos últimos tempos na fotografia e na sonoplastia. É uma ferramenta essencial para contar a história e transmitir as emoções dos personagens.

Todos esses detalhes juntos tornam Guerra Civil uma obra de arte digna de reconhecimento, inclusive com uma possível indicação ao Oscar. Que se cuide Duna 2.

guerra civil filme
Divulgação/Diamond Films

Atuações e personagens

Wagner Moura e Kirsten Dunst entregam desempenhos memoráveis que capturam a angústia, o desespero e a crescente descrença em um futuro melhor de seus personagens.

Moura, como o experiente e endurecido jornalista Joel, exala carisma e magnetismo, apesar de atuar em alguns momentos como o alívio cômico da equipe. Seu personagem é brincalhão, inteligente, paternalista e sagaz. Poderia ter tido muito mais tempo de fala no filme para além das piadas ou brincadeiras, mas acredito que mesmo assim, funciona muito bem no filme, dosando o temperamento, já que a personagem de Dunst é totalmente o oposto a isso, e sozinha, deixaria a carga emocional do filme muito dura.

Dunst, por sua vez, brilha como a idealista e determinada Lee, que se recusa a ceder à desesperança mesmo diante das atrocidades que testemunha. Uma atuação muito sóbria, mostrando escancarado a dor dessa jornalista que vê através da lente da câmera o pior do ser humano, o buraco mais fundo e sombrio da violência e do terror. Em vários momentos você se compadece da dor de Lee, e isso é graças a qualidade técnica de Dunst.

Embora Moura e Dunst sejam as estrelas principais de Guerra Civil, a jovem atriz Cailee Spaeny entrega um desempenho memorável e comovente como Jessie, a aspirante a fotojornalista que se junta à equipe de jornalistas em sua jornada perigosa. Sua atuação é sutil e contida, mas não menos poderosa e surpreende. Assim como Stephen McKinley Henderson emociona como o sábio e experiente Sam.

Todos os personagens secundários também são bem desenvolvidos e contribuem para a riqueza do filme, um mérito que poucos filmes conseguem entregar com tamanha qualidade. Todos os atores se entregaram ao máximo para fazer Guerra Civil ser o mais próximo da realidade possível, e isso é atormentador.

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Divulgação/Diamond Films

Espelho brutal da polarização Política e do Extremismo

Além de tudo que falamos, não tem como não entrar no mérito do subtema político, que se apresenta como um elemento central e inquietante. Tecendo uma crítica mordaz à polarização extrema que assola sociedades do mundo todo, inclusive o Brasil. O filme nos joga em um futuro distópico onde a América se encontra em meio a uma guerra civil sangrenta, resultado de anos de divisão ideológica, desinformação e extremismo político.

Apesar de não focar no tema, podemos ver claramente seu resultado. E isso é perturbador, ao mesmo tempo que serve como um audível alerta para o que podemos viver em algum momento. Somos confrontados com diferentes visões de mundo, desde o fanatismo cego dos milicianos até o idealismo pacifista de alguns grupos.

O filme não oferece respostas fáceis, mas nos convida a refletir sobre as raízes da violência, o papel da mídia na propagação do discurso de ódio e os perigos da desumanização do outro. Muitas pessoas podem ver a história como rasa, superficial ou até mesmo apelativa, mas é inegável o questionamento que fazemos ao sair do cinema: será que isso está mais perto ou mais longe de acontecer?

Vale a pena assistir no cinema?

Essa é uma das perguntas mais fáceis de serem respondidas. Esse é o tipo de filme que vale cada centavo para assistir no cinema, e se possível, na melhor tela disponível.