É em meio às crescentes ondas de violências policiais contra os afro-americanos nos Estados Unidos que o filme Vidas Importam encaixa-se. Situado nesta realidade, a produção acompanha o detetive nova-iorquino Chris Jones (Tobias Truvillion) e sua esposa, a sargenta Jackie Jones (Syleena Johnson). Negros, o casal tenta, de dentro de suas guarnições, fazer com que o sistema policial norte-americano seja mais igualitário. A realidade, entretanto, é outra.
Nos primeiros minutos de filme, assistimos um policial branco atirar contra um homem negro à luz do dia, que morre antes de receber auxílio médico. Os policiais abordaram a vítima durante uma discussão com outras pessoas, também negras, na rua,e o atingiram quando buscava por seu celular no bolso da calça. Para o policial, ele tentava sacar uma arma – que, diga-se de passagem, não caberia na roupa do homem.
O caso fica em alta na mídia, e gangues e comunidades negras da cidade revoltam-se com a situação. Já nas delegacias, o que ocorreu mal parece ter importância, visto que há diálogos sobre o tiroteio, mas nada relevante. Mesmo Chris estando presente na cena, a sensação é de que eles evitam tocar no assunto. Varrê-lo para debaixo dos panos parece ser mais interessante do que comentar sobre como existem policiais racistas na corporação. É aí que o principal acontecimento do filme entra em cena.
Falso positivismo
Dois policiais a paisana, os oficiais Mitchell e McKenzie, abordam Chris e um amigo na saída de uma bodega. Rudes e grosseiros, eles tentavam verificar a identidade dos civis. Ao tentar apaziguar o caos que se instara, Chris avisa aos policiais que é um deles. Apesar dos esforços, um dos tiras, movido pelo o que acredita ser uma suposta superioridade racial, não dá ouvidos a ele. O desenrolar da cena já era óbvio. O policial atira, e Chris é a próxima vítima de racismo policial estadunidense.
A partir daí, uma batalha judicial é travada. Jones, apesar de ter ficado ferido com o disparo, reagiu e baleou McKenzie, que o atacou. O homem não resistiu aos ferimentos. Com isso, se a situação já era ruim para Chris, matar um policial branco é claro que não a melhorou. O problema é como o roteiro do filme lida com isso. Ao invés de assistirmos a um julgamento e vermos a justiça efetivamente sendo feita, o que recebemos é um breve interrogatório sobre a fatídica noite.
De um lado, há o detetive Jones. Do outro, Mitchell, que tenta encobrir os fatos. Jones lida com a situação como se nada grave estivesse acontecendo, com um falso positivismo de que tudo ficaria bem. O detetive confia, às cegas, que o sistema de justiça norte-americano irá funcionar. E apesar de torcermos para que sim, sabemos que, na prática, isso é muito diferente. É como se o filme fosse ambientado em uma utopia, onde brancos e negros tivessem de fato os mesmo privilégios na corte. P.s: eles não têm.
Superficilidade narrativa
A impressão é de que Vidas Importam tenta colocar sua narrativa no mesmo ritmo que seu título original implica, um de “equal standard”, ou então de “mesmo padrão”, em tradução livre, entre os personagens. E como isso é irritante.
Em momento algum vemos Jones bravo com o que aconteceu, sequer revoltado ou então indignado, apesar de saber que os ataques irão continuar até que o racismo não seja erradicado da sociedade – assim como pontua o discurso de Martin Luther King acoplado no final do filme. O personagem apenas mostra compaixão com a família de McKenzie e preocupação com sua própria família, mas esquiva-se, inclusive, de explicar o que é racismo para sua filha, e o porquê de estarem naquela situação.
Desta forma, o filme, que tinha enorme potencial de apresentar uma história forte e emocionante, com personagens que cativassem a audiência, perde-se no raso e no superficial, e torna seus 101 minutos de duração demasiado arrastados.
Histórias adjacentes
Para além do fato principal que atua como fio condutor do filme, acompanhamos também outras histórias adjacentes a de Jones. Vemos, por exemplo, gangues rivais unindo esforços contra os policiais.
Assistimos também outro personagem vingando a morte de seu irmão e sendo preso. Mas em momento algum essas narrativas são aprofundadas, apesar do brilhantismo dos atores.
Mais parece que os roteiristas as jogaram na montagem final para preencher as lacunas que faltavam, o que, para mim, somente prejudica o filme como um todo.
Semelhanças com a realidade
Vidas Importam narra, infelizmente, o que poderia ser uma história real do cotidiano. Por conta disso, é inegável a comparação com o caso George Floyd, morto em 2020 por um policial em Minnesota, nos EUA. O afro-americano foi assassinado, em frente de testemunhas, por Derek Chauvin, um tira branco que, durante oito minutos e 46 segundos, ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem. Floyd foi aos poucos perdendo os sinais vitais.
Relevando seus problemas estruturais, a narrativa de Jones ao menos é passível de servir como uma sátira ao que vem acontecendo contra a população negra nos últimos anos.
Ficha técnica
Um filme A2, Vidas Importam tem na direção Brendan Kyle Cochrane. O roteiro é de Taheim Bryan. Ambos atuam também como produtores, ao lado de Anthony ‘Treach’ Criss, Jen Emma Hertel e Rob Simmons.
No que diz respeito a ambientação e fotografia, Vidas Importam não mescla o suficiente suas locações, o que faz com que o filme todo corra no mesmo tom opaco e sem brilho.
Confira a sinopse oficial:
Policiais e a comunidade negra de Nova York entram em confronto quando o racismo e a violência se chocam. Um policial negro fora de serviço é baleado por um policial branco, o que gera um ciclo de revolta e morte nas ruas.
Assista ao trailer de Vidas Importam:
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