A minissérie Adolescência, da Netflix, vem chamando atenção não apenas pela estética ousada e pelas atuações intensas, mas também pela forma como aborda temas sensíveis e urgentes. A obra discute temas como bullying, misoginia, radicalização de ideias e a influência da família e da escola na formação dos jovens.

Esses temas, embora extremamente atuais, já foram explorados há décadas por diversas obras da literatura mundial. Um dos exemplos mais emblemáticos é O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, publicado em 1951. Através da história de Holden Caulfield, Salinger mostra a angústia, a inadequação e o isolamento vividos na juventude. Esses sentimentos podem abrir caminho para a adoção de visões radicais e distorcidas sobre o mundo. Holden, com sua rebeldia e seu desprezo pelas convenções sociais, é o retrato da vulnerabilidade adolescente. Isso tudo diante de um sistema que muitas vezes não acolhe, mas oprime.

Outro clássico que dialoga com esses temas é O Senhor das Moscas, de William Golding. A obra expõe como a ausência de estrutura social e de princípios éticos sólidos pode levar rapidamente ao surgimento da violência, da tirania e do extremismo. Inclusive, mesmo em um grupo composto apenas por meninos, os traços de misoginia são presentes. Golding demonstra que, sem orientação adequada, impulsos destrutivos e ideologias extremas podem se manifestar de forma brutal.

“Adolescência” e contemporaneidade

Em tempos mais recentes, O Conto da Aia, de Margaret Atwood, aprofunda a discussão sobre a misoginia institucionalizada. Atwood constrói um universo distópico onde o extremismo religioso transforma mulheres em propriedades do Estado, retirando delas qualquer autonomia ou dignidade. Embora retrate um futuro hipotético, a obra serve como alerta para o perigo de ideologias que, ainda hoje, tentam legitimar a opressão feminina em diferentes esferas da sociedade. A obra mostra como a sociedade obriga os jovens a servir sem dar a eles o direito de escolher seu próprio futuro.

Esses livros mostram que a vulnerabilidade, seja pela juventude, pela condição social ou pelo gênero, pode ser explorada por sistemas que se beneficiam do medo, da exclusão e da radicalização. Da mesma forma, Adolescência retrata que, sem o suporte adequado da família, da escola e da sociedade, adolescentes podem se tornar alvos fáceis de discursos de ódio e ideias extremistas. Tais comportamentos podem levar a reprodução de comportamentos destrutivos, perpetuando ciclos de violência.

Por fim, a literatura e o audiovisual, cada um a seu modo, continuam desempenhando um papel fundamental ao expor essas feridas sociais. As obras provocam a reflexão para que novos caminhos passam a ser construídos, com mais acolhimento, diálogo e respeito à diversidade.