Para falar de assuntos atuais com ficção, Toni Grado compartilha em entrevista ao portal GeekPop News suas inspirações e ideias futuras, especialmente para construir a narrativa do livro “Não Branco, Não Homem”.

Primeiramente fale um pouco sobre você. Formação, idade, gostos, etc. Tudo aquilo que achar relevante.

Tenho 61 anos, sou autor, músico (piano jazz) e arquiteto, nascido e morador de São Paulo capital a vida toda. Lancei o CD Desoriente em 2009, em companhia do compositor e maestro Alexandre Guerra, e o álbum “Trilhas para lugar nenhum”, em 2021.  Escrevi “A Saga de Félix Farsa”, peça premiada com 3º lugar no I concurso de dramaturgia do SESI em 1995. Tive a peça “Vida Besta” montada em 1997. Em 2021, lancei o volume 1 do meu primeiro romance Não Branco Não Homem e, em 2022, lancei a continuação da obra.

Como surgiu essa vontade e desejo pela escrita?

Eu diria que desde que minhas lembranças de cadernos repletos de textos remontam aos meus quinze anos. Eu preciso escrever para organizar as ideias ou exorcizar os meus demônios. A escrita é para mim um remédio, um processo terapêutico onde eu exercito a razão e a resistência à loucura. Vai daí que nunca tive problema de bloqueio criativo, mas sim de disenteria mental, produzindo muita coisa, frequentemente não muito boa. Esse romance foi reescrito várias vezes e muito editado, me lembro de gastar mais tempo relendo e cortando do que escrevendo. E isso tudo (ainda) acabou ficando com 4 volumes.

Sobre o livro “Não Branco Não Homem”, o que você pode introduzir sobre ele? O que as pessoas poderão encontrar ao ter essa leitura?

Além de ser uma história excitante que prende a atenção do começo ao fim, traz uma nova visão do ser humano contemporâneo, longe do politicamente correto, às vezes violenta e surpreendente, mas profundamente sensível e generosa.

Um hino à liberdade de pensamento e do ser, uma saída para quem se cansou das boas e velhas opiniões sobre tudo, um abrigo das patrulhas. É possível ser feliz sendo quem você é, ou, nas palavras de Terêncio, dramaturgo da antiguidade, “nada do que é humano me é estranho”.

Reprodução: Foto de divulgação do autor Toni Grado
Reprodução: Foto de divulgação do autor Toni Grado

E sobre a história, o que te inspirou a desenvolver essa narrativa? Conta um pouco sobre o que você pretendia durante esse processo de desenvolver a história.

Era para ser um livro de filosofia delirante baseado na filosofia da diferença de Deleuze, onde, para inserir a imprevisibilidade no mundo determinista da ciência, eu considerava a possibilidade teórica do desejo ser a quinta força da física, além da gravidade, eletromagnética, nucleares forte e fraca.

Para que isso fosse possível, seres vivos e inanimados teriam vontade, o tempo precisaria correr tanto do passado para o futuro como no sentido inverso e esta realidade toda do aqui e agora seria resultado de uma eleição permanente, onde todos nós votamos e escolhemos existir e estar nesse plano de realidade. E por que não percebemos essa maluquice? Porque a memória, tanto do universo como a nossa própria, só registra a parte contínua e linear dessa história. Isso precisa ser assim ou nunca satisfaríamos nossos desejos.

Ou seja, a realidade é caótica, a memória é que arruma as coisas. Mostrei a uns amigos e ninguém entendeu nada, o que me deixou muito inseguro, até porque minha formação acadêmica é arquitetura, não filosofia. Me imaginei crucificado. Muito risco para pouco embasamento. Além disso, na melhor das hipóteses, era um livro hermético e chato. Abortei e me coloquei o desafio de traduzir as ideias filosóficas numa história ficcional. Girando em torno de uma eleição para prefeito numa grande metrópole

O assunto abordado no livro é muito abordado nos dias atuais, tendo em vista o posicionamento, representatividade e reconhecimento de muitas pessoas em se perceber assim. De que maneira essa narrativa chega par contribuir com o público que busca por leituras assim?

O meu livro trata, sim, do sofrimento dos excluídos, mas não do modo convencional, presente no ativismo das lutas identitárias e antirracistas. Me preocupa muito encontrar abordagens que sejam comuns a todos, não apenas a determinadas facções. Antes de mais nada, o que significa realmente identidade? Significa tanto o que temos em comum com os outros (categorias), como o que temos de absolutamente único (singular). Socialmente, esta ambivalência se reflete na tensão entre a segurança dos contratos coletivos e a liberdade do eu (os vários eus) ser o que quiser.

Penso que se todas as categorias resolverem partir para a guerra permanente, não sobrará nada. Nem as garantias dos contratos sociais e nem o respeito às diferenças pessoais. Sendo que não é preciso se afastar muito do nosso planeta para perceber nossa atual condição histórica específica: em meio a grupos tóxicos, todos os sujeitos livres e independentes estão sob ataque permanente.

Não comparando ou mesmo buscando fazer equivalência de sofrimentos, o ser humano contemporâneo como um todo vive um avançado estágio de exclusão de si mesmo. Longe de si mesmo, é impossível ser feliz, criar e ser pleno. Por esse caminho do confronto, essa guerra que não pode ser ganha. Meu livro não se esquiva de enxergar as injustiças de certas categorias, mas meus heróis são sujeitos que buscam a felicidade com o outro, sim, todavia de um modo pessoal, único e solitário.

Reprodução: Capa do livro "Não Branco, Não Homem"
Reprodução: Capa do livro “Não Branco, Não Homem”

Acredita que o assunto sobre “nem homem, nem mulher” seja um tabu para algumas pessoas? Como enxerga isso?

Para investigarmos a origem do tabu, acho que devíamos investigar um pouco como é realmente a vida de quem está do lado da maioria, porque esta é a fonte de todos os problemas, de todas as recriminações e discriminações.  

Nascemos e não temos a menor ideia do que significa ser macho e fêmea. Se é verdadeira e observável a condição biológica de nossos órgãos reprodutores, o fato é que todos nós recebemos este equipamento de uma forma algo traumática e sem manual de instruções. Contamos com as histórias que os outros nos relatam em paralelo às percepções próprias de nossos corpos. Tudo meio desarrumado e no susto. Como adultos, finalmente, todos fazemos sexo explícito entre quatro paredes, geralmente com no máximo mais uma pessoa.

Nunca presenciei os atos sexuais de nenhuma das pessoas das minhas relações, sejam familiares, de amizade, profissionais ou quem quer que seja. Ao longo de toda a nossa vida, além de nós mesmos e nossos companheiros, os únicos humanos que nós vemos copulando são os atores e atrizes pornôs. Portanto não sabemos exatamente o que é fazer sexo do “jeito certo”. Mesmo quem está de acordo com o estabelecido, vive o tempo todo em estado de vigília, sem certeza de estar à altura.

Conclusão: apesar de parecer que o grupo da maioria está com a vida ganha, é justamente porque não estão que os diferentes sofrem tanto. Os problemas desses últimos são de ordem muito mais grave, ligados a saúde, subsistência financeira, segurança e direitos civis. Mas se não adotarmos uma perspectiva abrangente, dificilmente as mudanças ocorrerão na velocidade necessária.

Você tem mais planos futuros dentro da carreira como escritor? Pode compartilhar um pouco desses planos conosco?  

Bem, falta lançar os outros dois volumes da tetralogia Não Homem Nâo Branco. Estou organizando um ciclo de leituras para este ano, porque percebi que existe bastante interesse nos temas envolvidos nesses livros. Publicar o volume 1 em inglês também está nos planos. Escrevo diariamente, então estarei lançando conteúdo novo em um futuro próximo. Será um livro dissertativo, não um romance, e será bem mais curto, nada comparado às 1.300 páginas dos 4 volumes de Não Branco Não Homem.

O que você diria para quem quer começar a escrever, mas ainda não se sentiu motivado para começar?

Escrever é uma atividade longa, me parece ser a forma de expressão individual de produção mais demorada que existe. Portanto, tenha certeza de que o assunto sobre o qual vai escrever seja divertido para você. Além disso, a escrita pode ser bastante dolorosa em certos dias, quando o escritor acredita ter certeza de que cada palavra que ele escreveu nas últimas semanas é um lixo. Conselho: espere até amanhã antes de deletar tudo! Mas comece. Recomece. E continue. Posso dizer que, mesmo com todo o trabalhão que dá escrever e depois lançar, para mim não existe nada parecido com o prazer que a escrita me traz.

E se quiserem saber mais sobre o seu trabalho, quais as plataformas e meios de te encontrar?

Os dois volumes de Não Branco Não Homem estão à venda na Amazon e outras livrarias digitais, tanto no formato ebook como livro físico. O meu site www.tonigrado.com.br tem muitas informações interessantes sobre as obras e também sobre a minha trajetória. E também estou no Instagram em @tonigrado. Para quem quiser conhecer meu trabalho como músico, estou no Spotify como Toni Grado.


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