Entre os filmes mais imaginativos da memória recente, está “Pobres Criaturas” (Poor Things, na linguagem original), uma obra de Yorgos Lanthimos que mistura comédia e elementos sombrios de um mundo fantástico. Este filme, aclamado pela crítica, não apenas conquistou quatro Oscars, mas também teve uma profunda conexão com um clássico do terror: “Frankenstein”, de Mary Shelley.

O diretor Yorgos Lanthimos, conhecido por sua marca característica em filmes como “A Favorita”, “O Lagosta” e “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, nos traz agora uma nova história. Ou seria uma história antiga?

Tudo que você precisa saber sobre o filme “Pobres Criaturas”

Adaptado do romance de Alasdair Gray, “Pobres Criaturas” conta a história de Bella Baxter (interpretada por Emma Stone), uma figura vitoriana curiosa com um passado incomum. 

Apesar de aparentar ser uma mulher adulta, Bella é uma “mulher-criança”, resultado de um experimento bizarro onde seu criador e figura paterna, Dr. Godwin Baxter (interpretado por Willem Dafoe), reanima seu cadáver e substitui seu cérebro pelo de um feto que ela estava gestando na época. 

Nessa trama, Bella embarca em uma jornada de autodescoberta ao lado do advogado pouco confiável Duncan Wedderburn (interpretado por Mark Ruffalo). Juntos, eles exploram um reino além da compreensão humana, confrontando os conceitos e preconceitos de sua época.

Se a premissa parece familiar, é porque “Pobres Criaturas” é uma releitura feminina de “Frankenstein”. Alasdair Gray, com sua obra de 1992, oferece uma versão moderna e inteligente do clássico literário, mesmo que Lanthimos e o roteirista Tony McNamara afirmem ter se inspirado pouco no trabalho de Shelley.

poor things

Afinal, qual é a conexão com Frankenstein?

No entanto, as conexões entre “Pobres Criaturas” e “Frankenstein” são evidentes. Ambas as histórias exploram os limites da existência humana e as consequências da busca irresponsável pelo progresso científico. Enquanto “Frankenstein” aborda esses temas com um toque de terror gótico, “Pobres Criaturas” adiciona humor ácido, crítica social e elementos fantásticos à mistura.

Além disso, a estrutura narrativa do filme de direção de Lanthimos utiliza narradores não confiáveis, que levam o público a questionar a veracidade dos eventos apresentados. Essa técnica acrescenta uma camada extra de intriga, mergulhando o espectador em um labirinto de vozes e meias-verdades.

Apesar das diferenças, Bella Baxter e a Criatura de Frankenstein são produtos de experimentos científicos ambiciosos, conduzidos por criadores que pouco se importam com o destino de suas criaturas. Ambas as histórias nos levam a questionar a natureza da humanidade, a ética da ciência e os limites da empatia.

Em última análise, “Pobres Criaturas” é uma ode moderna a “Frankenstein”, oferecendo uma nova perspectiva sobre uma história clássica que continua a ressoar através dos tempos. Com sua mistura única de humor, crítica social e elementos fantásticos, o filme nos lembra que as questões levantadas por Shelley há quase dois séculos ainda são tão relevantes hoje quanto eram na época de sua publicação.

Perspectiva feminista sobre ambas as obras

Poor Things, ponto de vista feminista

Tanto “Frankenstein” quanto “Pobres Criaturas” oferecem perspectivas feministas que enriquecem nossa compreensão das narrativas. Em “Frankenstein”, Mary Shelley aborda a luta das mulheres por reconhecimento e autonomia, revelando as consequências da marginalização feminina na sociedade. 

A Criatura de Frankenstein simboliza a experiência feminina de marginalização e exclusão, refletindo a perda de controle masculino sobre as mulheres. A figura de Elizabeth Lavenza destaca as expectativas de gênero e as restrições impostas às mulheres, ecoando os desafios enfrentados em uma sociedade patriarcal.

Em contrapartida, o filme ganhador do Oscar apresenta uma protagonista feminina forte, Bella Baxter, que desafia as normas de gênero e busca sua própria identidade e liberdade. Assim, sua jornada de autodescoberta é um testemunho da resiliência feminina diante das limitações sociais. Além disso, o filme critica as estruturas patriarcais que perpetuam a opressão das mulheres, especialmente através do controle do Dr. Godwin Baxter sobre Bella, ilustrando como as mulheres têm sido historicamente subjugadas em nome do progresso científico.

Por fim, ambas as obras nos convidam a refletir sobre as questões de poder, identidade e liberdade das mulheres, destacando a importância do feminismo na análise e interpretação das narrativas. Ao adotarmos uma lente feminista, podemos desvelar camadas mais profundas de significado e reconhecer o potencial transformador da arte na luta pela igualdade de gênero e justiça social.

Redatora em experiência sob supervisão de Giovanna de Souza.