Uma história que poderia perfeitamente acontecer na vida real. “A Arte de Cancelar a Si Mesmo” começa narrando a rotina da jovem Kauane, uma adolescente comum que se divide entre a rotina de estudos e os planos. O passatempo favorito da garota é observar a vizinha Maria José ou Majô, nome pelo qual é conhecida nas redes sociais. Majô de 15 anos, é uma influenciadora com milhares de seguidores, que mostra a rotina de sua vida animada. Kauane é grande admiradora da vizinha, com quem nunca teve mais do que poucos momentos de conversa. No entanto, Kauane sente como se já a conhecesse.

Os pais de Kauane têm vários planos para a vida adulta da filha. Por isso, ela se sente em muitos momentos pressionada e em dúvida. Aspectos típicos de uma garota dessa idade. Além do seu perfil nas redes sociais, Kauane também tem uma conta falsa. Assim, pode navegar na internet sem medo de julgamentos. E sua principal atividade é sempre seguir Majô. Mas de repente, Kauane é surpreendida com a notícia de que Majô simplesmente desapareceu. E isso aconteceu depois de uma denúncia de que a jovem era obrigada a gravar os vídeos para seus canais na internet.

O desaparecimento: alerta de spoiler!

Durante a história, também acompanhamos os conflitos de Majô e o que levou ao seu desaparecimento. Dessa forma, começamos a construir um paralelo entre a vida das duas meninas. E a partir do encontro das duas, fica nítido que os pais de Kauane são boas pessoas, apenas muito preocupados. Já os pais de Majô são pessoas tóxicas, que não permitem que a filha seja livre. A narrativa Deixa claro que Majô fugiu de casa. Ela diz que não se entende mais com os pais. Além disso, foi ela mesma que fez a denúncia anônima que causa todo o conflito.

Dessa forma, passamos a saber mais sobre a mãe de Majô, Mirtes, a responsável pela carreira da filha e quem direciona tudo que ela faz na internet. A mãe certamente é a grande vilã da trama. O ponto de virada da história que causa a fuga é quando Majô decide encerrar o canal na internet, mas a mãe não deixa. Já o pai parece não ter opinião própria e sempre concorda com Mirtes.

Portanto, a partir do encontro com Kauane, Majô passa a elaborar um plano de como fugir dos pais e conseguir sua liberdade, levando em conta o fato, é claro, de ser menor de idade. Um dos pontos mais interessantes é quando descobrimos que Majô também observava Kauane e sentia inveja de sua vida normal. A união das meninas é essencial para o final, quando Majô finalmente consegue ser livre.

Impressões sobre o livro

“A Arte de Cancelar a Si Mesmo”é uma excelente forma de reflexão de, como a superexposição de crianças e adolescentes nas redes sociais pode fazer mal. Existem apenas dois pontos, onde cabe uma análise. Primeiramente, antes do encontro definitivo entre Kauane e Majô, a primeira afirma que ela nunca se apresentou à vizinha, no entanto, há o registro de um encontro entre as duas. O que fica claro é que Kauane nunca se sentiu próxima dela, apesar de já terem se falado. Isso pode mudar conforme a interpretação do leitor. O segundo é o final. O desfecho de Majô é descrito de forma bastante resumida. Portanto, talvez a descrição de como ela conseguiu contatar a tia e de que forma o processo legal contra os pais aconteceu, seria interessante. No entanto, nada muda a importância do papel social da obra. 

Kauane e Majô

Crédito: Reprodução | Instagram (@jaquelinevargas)

Portanto, o livro é uma reflexão sobre as expectativas colocadas em cima dos jovens. A comparação das realidades entre Kauane e Majô é o ponto em que o leitor consegue perceber uma vida normal de algo completamente fora do comum. Os pais de Kauane desejam um futuro brilhante para a filha, que ela tenha uma profissão que vá ajudá-la a chegar longe.

No entanto, por mais que Kauane se sinta pressionada em alguns momentos e tenha medo de não atender às expectativas dos pais, é algo normal e comum aos pais. Talvez para a personagem Kauane, precise apenas conversar mais com os pais e falar como se sente. A realidade de Majô é completamente diferente. Ela vive completamente oprimida por uma mãe tirana e um pai omisso. A mãe de Majô a obriga desde a infância a criar conteúdo para a internet, mostrando uma rotina que não é real, e nem de longe é como a jovem se sente.

Mirtes é uma grande vilã ao obrigar a filha a gravar conteúdos de forma excessiva e não respeita os sentimentos e as necessidades mais básicas da garota. O que fica claro é que Mirtes gostaria de estar vivendo aquela vida, e no final das contas, ela acredita que os seguidores de Majô admiram realmente o que ela própria faz. A inveja que Mirtes sente da irmã mais velha e como ela se sente frustrada por ser mãe, mostram o quanto infeliz ela é. O pai é tão culpado quanto. Ele demonstra alguma empatia e compreensão em relação à filha. Mas não se impõe contra Mirtes e não toma uma atitude. Pesa muito também que a família é sustentada pelo dinheiro de Majô.

Conclusão

O livro é uma reflexão de como a rotina perfeita, mostrada em uma rede social, pode ser muitas vezes uma mentira. É importante discutir como crianças e adolescentes lidam com as redes sociais, principalmente aqueles que o fazem de forma profissional. É preciso garantir que o uso das redes sociais seja saudável e preze pela qualidade de vida. Portanto, para finalizar, é preciso afirmar que Majô era vítima de um crime.

Que fique claro que “A Arte de Cancelar a Si Mesmo” não é uma condenação do uso das redes sociais por influenciadores e muitas vezes pelos pais de crianças e adolescentes desse meio. Mas sim um alerta de que algumas situações não são aceitáveis. É importante que a legislação seja atualizada para impedir que adultos obriguem crianças e adolescentes a estar nas redes sociais sem que essa, seja a sua vontade.

Sobre a autora

Crédito: Reprodução | Instagram (@jaquelinevargas)

Jaqueline Vargas é escritora e roteirista. “A Arte de Cancelar a Si Mesmo” é o terceiro livro da autora, que já publicou Sessão de Terapia (2013) e Aquela que não é Mãe (2021). Além disso, foi a responsável pela adaptação da série Sessão de Terapia, para a televisão. Também foi co-autora das telenovelas Floribella (2005), Vende-se um véu de Noiva (2009), Malhação: Múltipla Escolha (2015), A Terra Prometida (2016) e Malhação: Viva a Diferença (2017). É autora do longa TPM – Meu Amor (2023) e co-autora de As Polacas (2022).