“Café com Caxiri”, de Edgard Zanette, é uma obra que discute a falta de oportunidades em uma sociedade marcada pelo preconceito e pela desigualdade social. Dividido em três partes, o livro acompanha a trajetória de João, desde a infância até a vida adulta, destacando os desafios enfrentados por quem nasce à margem da sociedade.
Com temáticas profundas que envolvem família, afeto, mágoas, ausências e estereótipos sociais, o livro traz reflexões sobre pertencimento, identidade e o nosso lugar no mundo. Ao longo das 222 páginas, Zanette constrói uma narrativa densa e crítica, que convida o leitor a refletir sobre as estruturas sociais que moldam vidas e limitam possibilidades.
Café com Caxiri
A narrativa tem início com a história de João, um jovem que vive com a avó em condições financeiras extremamente precárias. Sem nunca ter conhecido a mãe, sua avó é sua única referência e afeto. Com traços indígenas e vivendo em um ambiente de vulnerabilidade, João enfrenta o preconceito tanto fora quanto dentro da escola. Além de sofrer bullying, ele não encontra acolhimento nem suporte no ambiente escolar, o que agrava ainda mais sua sensação de exclusão.
Em determinado momento, a avó de João, diagnosticada com Alzheimer, deixa de conseguir sustentar a casa com os trabalhos de faxina. Sem alternativas, ela precisa ser acolhida em uma casa de apoio, deixando João sozinho, enfrentando um mundo hostil, marcado por medos, desigualdades e duras questões sociais.
Acompanhamos então o amadurecimento de João. O garoto precisa crescer rápido demais diante da falta de apoio, da solidão e das dificuldades do cotidiano. A narrativa mostra como ele precisa lidar com as consequências de suas escolhas e com os impactos de uma realidade que não oferece caminhos fáceis.
Ao longo da história, Zanette levanta discussões sobre abandono, racismo, pobreza, relações familiares e os reflexos de uma sociedade desigual na formação de um indivíduo.
Impressões sobre o livro
Comecei a leitura com bastante expectativa. O título chamou minha atenção, assim como os temas sociais propostos. No entanto, tive muita dificuldade em me conectar emocionalmente com a narrativa.
Apesar da forte crítica social e dos temas relevantes, o personagem João acaba reproduzindo muitos dos preconceitos do ambiente em que vive. Em algumas falas, ele exala machismo e pensamentos retrógrados, mesmo tendo consciência de que esses pensamentos são problemáticos. Isso fica evidente, por exemplo, quando descreve de forma preconceituosa os corpos das garotas com quem se envolve durante a adolescência ou quando confessa sentir nojo da avó, a mulher que o criou, após o avanço da doença.
A leitura não é fácil. É dolorosa, intensa, e o personagem principal, mesmo sendo vítima de um sistema opressor, expressa pensamentos difíceis de aceitar. Isso tornou quase impossível para mim torcer por sua felicidade. A dificuldade de empatia com João foi um dos principais pontos de desconexão.
Além disso, suas opiniões sobre a escola pública, a Lei Maria da Penha, o machismo em relação às mulheres que considera atraentes e outros temas sensíveis tornaram a leitura ainda mais desafiadora. Senti que muitas reflexões trazidas pelo autor, apesar de complexas, não se conectam bem com a construção do personagem, criando um certo desalinhamento entre discurso e narrativa.
O final faz uma alusão direta ao início da obra e explica o título. “Café com Caxiri” é uma leitura amarga, repleta de pensamentos conservadores e reflexões filosóficas que, em alguns momentos, parecem desconectadas do enredo ou forçadas na voz do protagonista. Ainda assim, é uma obra que pode gerar debates importantes, principalmente sobre os limites entre crítica social e reprodução de preconceitos.
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