Nessa semana do Dia Mundial do Livro, o GeekPop News traz a reflexão de vários escritores brasileiros sobre o Livro atualmente. Hoje, Marina Cyrino, Edgard Zanette e Ricardo Kaate falam sobre a diferença entre o livro e as redes sociais, assim como a valorização do leitor. O livro sempre conta uma história e aborda um fato. No entanto, a experiência da leitura, assim como a interpretação de cada leitor, é individual. Dessa forma, ao ler um livro, podemos afirmar que o leitor é, sim, o verdadeiro protagonista da história. Cada interpretação é responsável por construir e disseminar ideias.
Confira o que disseram os autores convidados
Para a escritora e doutora em Educação Marina Cyrino, o livro é um convite para desacelerar. Ela defende que cada leitor interprete a obra à sua maneira e no seu tempo, sendo ele, o protagonista:
O livro é um convite para desacelerar. Não existe botão para dobrar a velocidade da leitura. Enquanto vídeos e podcasts são formas de consumo passivas, onde somos inundados por diferentes estímulos a cada instante, a literatura resiste como uma das poucas formas de receber informação de forma ativa. O livro sempre nos coloca na posição de protagonista: é preciso imaginar, usar a criatividade e interpretar o conteúdo, cada leitor no seu tempo. É, sem dúvidas, um refúgio em meio à loucura do mundo digital.
Para Edgard Zanette, o celular é um facilitador na nossa rotina, mas ler e compreender um bom livro é uma experiência necessária:
Um clique é apenas isso – um clique, que se oculta no passar do tempo, sem o deslizar do acolhimento. O objeto do desejo é a presença da ausência, fruída na dilação da espera. Cada leitor é como um amante habilidoso, transgressor, sutil que oculta seus romances proibidos. Muitos jovens fingem desgostar-se da leitura para evitar serem rotulados como nerds ou antissociais. Agora a onda é ficar com celulares novos em punho.
Nada contra as novidades. Um bom celular facilita nossas vidas. Ora, devemos concordar: portar livros sérios, lê-los e compreendê-los são atitudes antiquadas, revolucionárias e transgressoras. Mas ser antiquado não é negativo! A informação rápida flutua no espaço/tempo de maneira disforme, atravessando telas que navegam ansiosas, ela é incapaz de capturar o instante e refletir o agora em nós.
O “acontecer” da tecnologia não se compara à experiência de sentar-se em frente a um livro e devorá-lo. Marcações, anotações, resumos e grifos escandalosos, ou um amor tão grande que impede muitos leitores de adicionar qualquer tinta nova à obra concluída, em um respeito quase monástico. Muitos de nós até se divertem traduzindo-os como passatempo, ou por necessidade, tudo feito à mão, continuando a desafiar as telas e ainda nos debruçando sobre velhos, poeirentos e poderosos dicionários.
Brincamos de esconde-esconde nos desafios cotidianos, códigos misteriosos, pequenos labirintos de palavras e línguas, permanecemos muitas noites sem dormir, com insônia e agoniados, pela necessidade de estarmos com textos que exigem cuidado, tempo e solidão. Até a morte é desafiada pelo ato de ler, pois todo autor(a) falecido habita bibliotecas e livrarias, estando ali disponível a um convite especial: desfrutar das nossas estantes, mesas, casas e pensamentos.
Pensar dói, dá dor de cabeça, e ler é bem mais provocador que assistir à série ou a filme em um streaming. Livros precisam ser mastigados, desafiados, com sabor e desejo, e se destacam das notícias malandras que ocupam as redes sociais, emitindo opiniões políticas sem reflexão, às quais são como poderosos torpedos lançados com a intenção de esconder a falta de conteúdo, manifesto claro do desejo de dominação que está por trás das disseminadas Fake News.
Ainda é tempo de rebeldia, somos amantes teimosos, que mantém a espada em riste, desafiando as opiniões dos almofadinhas que desejam destruir as bibliotecas e os livros de papel, prenunciando a morte de séculos e séculos de saber acumulado, de lugares gostosos como as bibliotecas cuidadas que desafiam a lógica do capital. É mais barato, mais eficiente, mais rápido, lançar amontoados de letras digitais, e, façamos uma ressalva, os livros digitais têm o seu valor e devem ser amados e cuidados, mas que eles não desafiem o papel: o fim dos livros físicos será uma perda irreparável à carnalidade humana e um dizer sim irrestrito à Inteligência Artificial. Nossa conversa com a IA precisa mudar.
Cabe deixar bem claro: IA, eu te aceito como meu brinquedinho, uma ferramenta. Posso usá-la e aprender muito com a nossa relação, e nossos textos serão revisados e coisas incríveis serão criadas, mas não tente ir além, senão nós te desativaremos! E que os inconsequentes não desafiem os limites da racionalidade humanista, do fazer artesanal, eterno refazer-se humano no ato de manusear o real, para que entendamos, finalmente, que o digital não substitui o papel, a caneta e o lápis, e que os livros sobrevivam por toda a eternidade.
Já o escritor Ricardo Kaate defende que vivemos sempre inundados por informações, e defende a importância de relacionar e contextualizar tudo que chega até nós.
Vivemos numa era de mudança social acelerada. Isso significa que a cada segundo somos inundados por uma quantidade infinita de propaganda, notícias e mentiras. Como separar “o joio do trigo”? Como separar o que é bom ou ruim? Como relacionar e contextualizar tudo o que chega até nós? O livro ainda é a melhor resposta para lidar com essas questões.
É com ele que desenvolvemos uma imaginação humanista e crítica do mundo. Um oásis de sabedoria em meio à modernidade líquida e sua a toxicidade endêmica das redes sociais. A imersão em um livro de literatura ou de ensaio nos permite ver além do fluxo ininterrupto de sensações e estímulos que o algoritmo, o trabalho, a metrópole e a globalização jogam sobre nós; nos permite ver que existe algo mais além das aparências do digital.
A prática da leitura é a base da construção de habilidades que hoje estão se perdendo: a capacidade de concentração, a capacidade de relacionar processos e conceitos, a capacidade de discernir os fatos de boatos. Sem a leitura, o pensamento crítico e a reflexão, o que seremos? Seremos bárbaros “semi-treinados” e especialistas sem coração para servir às grandes corporações e a políticos demagogos.
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