Para podermos sair do clichê e falar do Dia Mundial da Poesia da forma merecida, precisamos esquecer este óbvio agora. Tudo isso, porque a palavra “poesia” carrega em si a própria ternura e se torna até mesmo adjetivo para descrever algo extremamente belo. Mas o grande questionamento de hoje é: “o que é poesia?” e partindo disso, “de onde é que ela nasce?”, mas “será que todo mundo pode ser poeta?”. Do clássico ao contemporâneo, o que realmente precisamos para ter o espaço das poesias nos corações dos leitores?
A poesia parece ser carta marcada. Falou de literatura poética, antologias de autores famosos nos surgem à mente. E tudo bem isso ser um ponto, amarmos o que veio antes, que construiu a história que temos agora. Mas como boas registradoras de uma era, as poesias contam histórias das civilizações, através dos séculos, como era aquela sociedade, utilizando da poesia como trabalho há muito tempo. Um poeta sempre registra o que vê e ressignifica a narrativa para que mais pessoas se identifiquem com o dito.
Contando histórias em diversas linguagens poéticas
Construir uma identificação vai além de falar exatamente em uma linguagem objetiva. A poesia carrega subjetividade e por isso pode soar tão complexa algumas vezes..
O poeta Fernando Pessoa, tem um poema chamado “Quando Vier a Primavera” sob o heterônimo (nomes que escritores usam para assinar algumas obras.Tem como base os autores fictícios com personalidade) de Alberto Caeiro, que detalha com sensibilidade aspectos da estação, desvendando o sentimento melancólico que se mistura com o prazer de vivenciar isso tudo. O linguajar e a profundidade das poesias do século XIX e XX.
(…)
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
(…)
Alberto Caeiro
Em 2015, a cantora MPB Nina Oliveira, ao lado do artista Rubel (de “Quando Bate Aquela Saudade”), performou e musicou uma parte do poema de Pessoa e ressignificou a poesia para o tempo mais presente. Os artistas ainda aproveitam para unir à canção de Vinícius de Moraes, também um dos poetas brasileiros clássicos, sempre lembrado e mencionado. A música cantada é “Samba da Benção”, dando outro sentido à criação de Nina e Rubel. O trecho:
(…)
É melhor ser alegre, que ser triste
A alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
(…)
Vinícius de Moraes – Samba da Benção
Undos, a canção e a poesia mostram quão singelo pode ser, além de mostrar a arte
no tempo de hoje. Confira o vídeo com a canção de Nina Oliveira e Rubel clicando aqui.
Dia Mundial da Poesia: Mas afinal de contas, o que é poesia?
Desde os primórdios, o ser humano encontra formas de se expressar e deixar registrado. Talvez para não se esquecer, talvez para passar o tempo. O que importa, é que existem. A poesia está no ato de se inspirar e criar: observar. Aquele gesto de pegar uma folha e anotar uma frase de desabafo. Por muito tempo, a ideia pregada era de que poesia precisava ser algo que rima. Claro, isso existe e é possível, mas está para muito além de apenas alguns versos com sonoridades que se terminam semelhantes.
O poeta Bráulio Bessa, que conquistou o Brasil com a poesia regional, da cultura nordestina, abraçando exatamente o que vive nos próprios dias, conta histórias nas poesias que transfere ao mundo, registra carinho nas palavras, com o livro “Poesia Que Transforma”.
(…)
Do lado esquerdo do peito
A gente guarda amizade
A gente guarda a rua
Um país, uma cidade
Um toque, um cheiro, um sabor
Os sonhos de um sonhador
A esperança, a fé
Uma carta inesperada
Um passeio na calçada
Pão de queijo com café”
(…)
Bráulio Bessa
Poesia é para além de apenas palavras, mas trazer a sensibilidade do ato de sentir.
De onde a poesia nasce?
Do cotidiano. Às vezes do amor, às vezes para curar uma dor. Mas não apenas desse sentimento. Vai além do ato de amar, é registrar.
“Quem eu
teria
sido sem
a inspiração
por trás dos meus
demônios?
-provavelmente não seria poeta
Amanda Lovelace, do livro “A princesa salva a Si Mesma Neste Livro”
O poeta depois de muito tempo acaba se reconhecendo como tal. Os caminhos apontam, impossível fugir do ato do “ser”. A poesia vem do criar e está nas sensações. Nem sempre para se escrever sobre si mesmo, mas também escrever sobre outros. A criação está no olhar atento e na mão ligeira que registra uma história em poucas linhas. Com certeza o maior conselho pra quem quer escrever poesia.
Todo mundo tem um pouco do ser poeta
Em tudo o que construí na arte e na cultura, sei exatamente como existem poetas tímidos, que guardam palavras nas gavetas e todos os dias falam do sentir. Poesia pode ser longa ou curta; pode falar das belezas ou das “feiuras” do mundo. Pode ser em letras, movimentos, desenhos, som e o que mais vier. Está no ato de criar agora.
“Para ver a Poesia no mundo
Faltei no Trabalho
Ganhei um dia de vida
Perdi um dia de salário”
Pedro Salomão, do livro “Eu Tenho Sérios Poemas Mentais
Dia Mundial da Poesia: A poesia clássica e a poesia contemporânea
A linguagem é definitivamente o maior diferencial. Sabe-se que a arte clássica, de anos atrás, tem um teor, por muitas vezes, mais “sério”, repletos de regras. Claro, ainda com todo o sentimento, mas precisando seguir padrões que com o passar do tempo, pelo menos no Brasil, foi se moldando diante dos anos, das mudanças e revoluções. Hoje, as poesias são até mais breves, muitas vezes com quatro linhas que constroem um breve pensamento. As poesias atuais são menos subjetivas (por vezes, também não), mas buscam muito do sentido social e cultural atual, visando um pensamento em comum. Não se pode dizer das preferências e o que pode ser melhor ou não, entre poesia contemporânea e poesia “mais antiga” porque cada poeta tem em si as próprias inspirações, viagens e modos de se expressar e cada leitor também vive desse mesmo sentido.
Assim como vemos que muito do que veio do passado nos inspira e criar o novo.
Assim, como Vinícius de Moraes nos contou que “Fazer samba não é contar piada”, venho no hoje para dizer que “fazer poesia não é marmelada”.
Feliz Dia Mundial da Poesia. Este é meu presente para você.
Motivo
Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.