Medusa, na mitologia grega, era descrita como um monstro, uma górgona, que tem uma aparência horripilante e serpentes no lugar do cabelo. Quem a encarasse, se tornava pedra. Ela foi amaldiçoada pela deusa Atena. Não por acaso a diretora Anita Rocha da Silveira escolhe esse nome para seu novo filme de terror.

A jovem Mariana pertence a um mundo onde deve manter a aparência de ser uma mulher perfeita. Para não cair em tentação, ela e suas amigas se esforçam ao máximo para controlar tudo e todas à sua volta. Ao cair da noite, elas formam uma gangue e, escondidas atrás de máscaras, caçam e punem aquelas que se desviaram do caminho correto. Porém, dentro do grupo, a vontade de gritar fica a cada dia mais forte.

Aqui preciso começar dizendo que para mim o terror do filme “Medusa” é pano de fundo para algo muito mais horrível, a realidade atual da sociedade. Acompanhamos um grupo de mulheres que fazem parte de uma igreja, dessas mais modernas, cheias de néon e pastores coachs. Anita não tem medo de tocar nas feridas mais profundas da religião evangélica, o uso da fé para questões pessoais e institucionais da igreja. É importante dizer que ela faz questão de frisar que não são todas as igrejas, e que o filme não é um ataque a religião, mas sim o uso dela à margem do que se espera de uma igreja.

A fotografia que imerge e sons que atuam

O diretor de fotografia João Atala, junto a Anita, escolheu as cores verde e vermelho para dar o tom do suspense. Eu achei extremamente de bom gosto usar o verde, que remete a alguns filmes mais Trash do terror, meio como que um pântano. Essas conexões entre sons, cores e diálogos bem construídos, determinam a qualidade absurda do longa. A trilha sonora lembra bastante os thrillers dos anos 1980/90, atuando ali, lado a lado com os atores e com a fotografia impressionista.

Em vários momentos é impossível saber se os personagens estão de fato vivendo algumas situações ou se estão em meio a um transe ou delírio. As cenas do hospital, por exemplo, podemos entender se tratar de uma realidade paralela? Podemos assumir que é uma realidade? Que faz parte do transe? Todas essas dúvidas são geradas propositalmente, já que dentro dos absurdos que observamos, o que de fato é realidade?

Medusa é um filme de Anita Rocha
Foto: Divulgação

Atuações impecáveis marcam Medusa

A atriz Mari Oliveira é quem vive Mariana, a jovem protagonista desse filme. Ela consegue passear muito bem entre a jovem da igreja e sua versão rebelde. Ela consegue entregar com convicção todas as suas versões dentro da história, consegue demonstrar isso com a mudança do tom de voz e até mesmo no visual. Não é a primeira vez que Mari e Anita trabalham juntas, elas já se encontraram em “Mate-me por favor”, outro filme de Anita Rocha.

Lara Tremouroux também entrega uma personagem muito convincente, com a dificuldade de ter que manter essa postura por quase todo o filme. Mas é interessante observar a mudança de comportamento da sua personagem, uma moça fervorosa da igreja que sonha em casar com o rapaz mais importante do grupo masculino “Os Vigilantes de Sião”, uma espécie de força paramilitar da igreja, que atua como justiceiros da comunidade, indo atrás de pessoas de outra religião, gays, e jovens em festas “mundanas”.

As participações especiais de Bruna Linzmeyer, que interpreta uma mulher que foi violentamente atacada por ser bonita e popular também marcam bastante no filme. Com o rosto deformado, sua personagem é um tipo de lenda urbana da igreja, e é o foco da busca de Mari durante o filme.

Roteiro fiel ao horror atual

O que choca, de verdade, é o terror de Anita ser tão próximo da realidade que vivemos. É fácil você se familiarizar com alguns temas, modos de falar, modos de agir das pessoas que estão cegas dentro de uma bolha, como é o caso desse grupo de meninas da igreja.

Alguns detalhes sobre o roteiro, porém, me incomodam um pouco. A impressão que fica é que esses “detalhe”, delas atacarem outras mulheres na rua, termina absolutamente sem punição ou consequência. Era importante o roteiro trazer essa resposta, até para corroborar com a própria construção da narrativa, de que às máscaras iriam cair e tudo se revelar um grande problema.

E é nas entrelinhas do roteiro que os grandes temas são tratados, como por exemplo, o padrão de beleza aos quais as mulheres são submetidas pela mídia e pelas redes sociais. Até dentro da igreja isso é um debate fervoroso. Claro, tudo dentro das crenças e imposições da religião. E como é hipócrita esse culto ao corpo dentro desse contexto.

Um filme poderoso e que vai incomodar

A crítica aos espetáculos em cima do altar é clara, e faz referência ao foco negativo que a igreja ganhou nos últimos anos. Política sendo feita em nome de Deus, uso da Palavra para amedrontar e castigar os fiéis e até mesmo os que não são da religião. Em como essas igrejas podam suas mulheres, as fazem sentir-se como objetos ou troféus . O bordão “bela, recatada e do lar” aparece a todo tempo, quase como nas redes sociais brasileiras destes últimos anos.

Medusa, é um filme incrível, e que traz consigo críticas importantes (que quase ninguém ousa fazer). A coragem de Anita Rocha de falar do que os outros tem medo de falar, e ainda, em forma de terror, mostra como que o cinema é importante para o debate civilizatório, mesmo se essa não for a intenção. A arte é por si só um modo de reagir as arbitrariedades, seja de quem for.


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