Poético e sofisticado, o longa mantém-se nessas características do início ao fim, mesmo que em alguns momentos pareça um desafio. Luiz Fernando Carvalho consegue trazer uma adaptação maravilhosa para o audiovisual com a proporção adequada de tela 4:3. Conduzindo o olhar do público aos detalhes, onde o simples consegue transmitir muita informação e emoção.

Quando ouvimos o nome de Maria Fernanda Cândido, pelos seus trabalhos anteriores mais conhecidos, automaticamente a associamos aos adjetivos iniciais. Maria Fernanda é uma atriz que naturalmente nos transmite classe, e não consigo imaginar outra pessoa em seu lugar realizando essa obra com tanta maestria.

Uma Jornada Através do Tempo e da Emoção

Somos transportados aos anos 60, onde a equipe do filme entrega o que se propõe cuidando de cada detalhe: objetos, figurinos, maquiagem e penteados. Uma trilha sonora que explora música clássica, cantos líricos e canções da época.

Ainda sobre Maria Fernanda Cândido, é possível dizer que somos muito privilegiados em ter uma artista grandiosa como ela representando o Brasil para o mundo. A atriz entrega expressividade no olhar e no corpo, nos tons de voz que variam de sussurros, rouquidão na voz e agudos em gritos desesperados. A facilidade em derramar inúmeras lágrimas em cenas sem cortes é realmente incrível.

A PAIXÃO SEGUNDO G.H., novo longa-metragem de Luiz Fernando Carvalho
Foto: Divulgação

Nesse monólogo em primeira pessoa, onde a personagem quebra geralmente a quarta parede, sentimos muito claramente as variações de sentimentos de G.H após se ver sem Janair, sua empregada. Para quem conhece ou já ouviu falar da obra original de Clarice Lispector, sabe que a narrativa – que não é nem um pouco tradicional – gira em torno disso.

Somos guiados a experimentar sensações e sentimentos através das ações performáticas da atriz e por cada movimento delicado de câmera que dialoga com a essência da narrativa, buscando o íntimo, o individual, o existencialismo. Vários enquadramentos são pensados meticulosamente para reforçar essa ideia. A atriz sozinha em uma casa grande explorando vários cômodos como se fosse um labirinto alimenta a sensação de solidão. Momentos onde a atriz é enquadrada em primeiríssimo plano realçando suas micro expressões, ou entre dois objetos, onde se mostra “presa” dentro de algo. Campos de profundidade que provocam acrofobia, como se existisse ali um abismo desconhecido.

Enquadramentos que Revelam a Essência

No design sonoro, tudo isso ganha força com um zumbido constante que incomoda, mesmo não percebendo que ele está presente. Aflição com o som de objetos em atrito, gritos altos e gritos sem som. G.H mergulha dentre tantos pensamentos e nos pegamos sufocados pela identificação com a personagem em diversos momentos.

E é interessante como tudo parece ter sido carinhosamente realizado. A obra tem um ar experimental. Observando a relação de G.H com o inseto, o sentimento de nojo, desprezo, ódio, medo. E eventualmente uma vestimenta que tem cor e lembra a textura de uma barata. Olhos, boca e mãos foram sabiamente explorados pelo diretor e preparador de elenco, compondo cenas belíssimas.

“A Paixão Segundo G.H” contempla a variedade de sentimentos que tentam entender o medo do outro lado: a autoanálise, autoaceitação, o preconceito, o sombrio, a metamorfose, a condenação, o desejo proibido, a loucura e a depressão. A barata representa o sujo, o imundo, a repulsa. O reflexo do lado mais feio e pequeno da personagem e a identificação do seu lado oculto. As várias camadas e versões de si mesma, o tudo e o nada em uma mulher. A ambiguidade entre o amor inocente e a paixão ardente, o azul e o vermelho, o preto e o branco. A plenitude de um ser, a feminilidade, a mulher.


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