Meus Homo sapiens. Informo a vocês que essa análise terá spoilers, inclusive do final dos jogos. Então… SPOILER WARNING.

Ame-o ou odeie-o, se você vive na comunidade gamer, você tem alguma opinião sobre Final Fantasy VII. Anunciado na E3 de 2015, Final Fantasy VII proliferou uma hype instantânea que roubou os holofotes de toda a apresentação. De um silêncio absoluto o jogo foi de 0km/h a 200km/h no radar da mídia e do player.

Como será? Ele se manterá fiel? Será tudo que os fãs queriam? Os fãs sabem o que querem? Como será a luta? Vai sofrer censura pra poder vender para faixa etária mais baixa? Um jogo de 1997 consegue ser bem recebido no paradigma social de 2015-21? Quando lança? Será que eles conseguem reproduzir o momentum? Onde está a Tifa?

Hoje vamos analisar os dois jogos e comparar suas diferenças a nível narrativo/social e técnico. Tentarei responder a pergunta: “seria Final Fantasy um remake ou releitura?”

Releitura: É a reinterpretação de uma obra com a visão de outro autor adicionando novos elementos, resultando em uma nova perspectiva, significado e uma nova experiência da obra. Quando um artista propõe uma releitura, ele refaz o processo criativo, juntando algo que existe com alguma nova ideia. Por exemplo, o filme da Disney Rei Leão é uma releitura de Hamlet de William Shakespeare.

Fonte: Square-Enix

NARRATIVO/SOCIAL

É importante ressaltar que Final Fantasy 7 Remake se passa na primeira parte do original, na cidade de Midgar. Isso são em média 5 horas do original e mais ou menos 45 horas do Remake.Para uns “encheram a linguiça” e para outros enriqueceram o enredo. Me deixe desconstruir isso.

O Remake em geral se manteve bem fiel aos acontecimentos do original, porém os estendeu e inseriu um sentimento completamente novo a várias cenas, personagens e outros.

O Remake ampliou a realidade das pessoas que vivem nos slums. Conseguimos sentir a realidade da miséria que vivem e a fraternidade que eles têm um com o outro, mesmo com tão pouco. No original observamos isso de forma bem reduzida e os ideais de motivações do avalanche e seus membros não são tão explorados.

A maior diferença entre o Original e o Remake é o desenvolvimento de personagem. Talvez isso parece simples, mas mudou por completo a sensação ao se jogar.

Enquanto no original nos importamos muito com a história, no remake conseguimos nos identificar e interessar com o destino dos personagens. Claro, no original também sentimos isso, mas isso acontecia no decorrer do jogo e não nas 5 primeiras horas que são referentes ao remake.

Fonte: Square-Enix

O plot mudou totalmente de foco. No original o enredo era Macro onde o propósito era a história geral e tudo e acontecia em volta, porém o remake adota um foco micro, em que nos concentramos em conhecer os personagens, seus problemas e suas dores. Acredite ou não, nos vemos preocupados com o destino de personagens que eram apenas para ser NPCs (os figurantes).

Isso mudou drasticamente o andamento do jogo. A experiência se tornou algo que não se apressa, que perde o senso de urgência do original, feito para contemplar as lindas ou tenebrosas paisagens. Por isso oscilamos entre momentos cinematográficos e momentos de calmaria diversas vezes. Nos original estávamos sempre em urgência e a sensação era de que todos os acontecimentos aconteceram em uma noite.

Fonte: Square-Enix

Somos um mercenário contratado por uma organização com objetivo de salvar o planeta da exploração de recursos naturais feita por uma empresa chamada Shinra. Essa empresa tomou controle do governo e da mídia se tornando totalitária. Ela toma decisões para a população visando o seu lucro e nos taxou de terroristas. (Tem gamer aí falando que jogo não é político, imagina se fosse).

Shinra controla a opinião pública através da mídia criando narrativas e adotando a falácia que seu produto é algo vital e que qualquer um que quiser deter isso é um inimigo da sociedade e um criminoso. Criou uma ordem natural de classes onde o pobre só desce e passa fome. 

Tirando uma lição do livro 1984, Shinra também antagoniza outro reino criando a ideia que sempre estamos prestes a ser atacados, que os cidadãos precisam fazer concessões e dar poder para a ela, pois o inimigo está vindo para destruir o modo de vida deles. 

Logo todo ato para proteger Midgar se torna aceito, inclusive violência e atos inconstitucionais. Questionar ou criticar a Shinra se torna um absurdo e toda a propaganda tem duas funções: uma de a elevá-la e outra de antagonizar tudo que não é santificado por ela ou que não santifica ela.

No nosso mundo chamamos isso de fascismo.

Fonte: Square-Enix

Embora no original isso também aconteça, no remake eles fazem questão de exibir a lavagem cerebral da população e outros exemplos de como eles usam a mídia e cidadãos para propagar essas informações falsas. O controle de massa é muito forte e se torna muito difícil ter opiniões diferentes.

No original conseguimos ver essa distopia pelo cenário. O ambiente é como um lixão pós nuclear e pobres não têm direito nem de ter o céu acima de si. O estilo cyberpunk está presente em vários momentos e em todo momento conseguimos ver a decadência e desolação. Porém no remake o comportamento das pessoas em volta e como elas são cegas a própria desgraça, egoísmo e fanatismo nos desespera ao conhecimento que além do planeja, aquela nação também está doente.

Temos que apontar também a inclusão de um background e personalidade para Jesse, Biggs e Wedge. Os três, diferente do original, nos deram novos personagens para amar e tiveram um desenvolvimento de personagem que simplesmente não existia no original.

Algo que poucos notaram mas que faz uma grande diferença é que a personalidade dos quatro protagonista mudaram:

Fonte: Square-Enix

Cloud: No original ele era muito babaca sem nenhum motivo. Dessa vez ele só é babaca em um nível de distância e para fazer tipo. Além disso, nos é justificável o motivo de ele ser como ele é.

Fonte: Square-Enix

Barret: Embora ele tenha a personalidade mais intacta dos quatro, o seu papel de alívio comigo foi ampliado a um nível que incomoda, pois destoa do seu papel como líder de uma organização eco-terrorista. Ele também falava muito palavrão no original, mas vou falar disso mais pra frente. Dos quatro, ele é o único que sua personalidade me parece que mudou negativamente.

Fonte: Square-Enix

Tifa: Da água pro vinho (alguém me dá vinho). Ela teve a melhor mudança de personalidade. Foi um atestado do desenvolvimento do papel da mulher nos jogos. No original, Tifa era extremamente submissa a Cloud. Ele tratava ela igual lixo e ela corria atrás como se dissesse “me nota senpai”. Dessa vez ela fez jus ao seu poder. Ela ainda gosta de Cloud, mas tem motivações, desejos e sonhos que são independentes dele e não está disposta a abdicar de sua integridade ou dignidade por ele. (E cá pra nós, ela bate muito mais que ele). Uma representação da vitória das mulheres aqui fora, dentro do vídeo game.

Fonte: Square-Enix

Aerith: Chame ela de Aerith ou Aris, mas muito mudou além do seu nome. Independente de ela continuar sendo um símbolo de sorriso e “flor” nesse mundo de tristeza e dor, Aerith além de altruísta e caridosa também parece ter desenvolvido um sabedoria e vidência. Ela parece ter total noção do que lhe vai acontecer e da situação que Cloud se encontra, algo que no original ela não sabia.

Para se adequar a época o jogo também sofreu várias reduções e alterações na linguagem. No original palavrão era uma das línguas faladas, existiam cenas com sangue e certos momentos com excesso de insinuação sexual. Tudo foi atenuado ou retirado completamente. Apesar de ter ampliado a idade que se pode jogar o jogo, uma sobriedade adulta foi perdida.

Agora, existe um fator que mudou e tem o potencial de mudar todo o rumo do jogo. Que foi a adição dos antes inexistentes murmúrios. Quem conhece o trabalho de Tetsuya Nomura em Kingdom Hearts sabe que ele gosta de mexer com realidades diferentes, planos de existência, universos paralelos e viagens no tempo confusas. 

Desta vez foram adicionados os murmúrios que são entidades com o objetivo de manter o destino intacto. No jogo toda vez que o personagem pode desviar da história original do primeiro jogo, eles aparecem para manter o destino. 

Consequentemente uma ideia fora da curva nos é imposta, somos expostos a uma situação em que vamos para o universo e “derrotamos” o líder dos murmúrios. Isso pode resultar em uma realidade onde, a partir de agora toda a história do jogo pode seguir uma direção diferente do original, deixando os jogadores em dúvida se ele continuará fiel ou seguirá um rumo novo.

Fonte: Square-Enix

TÉCNICO

Essa análise vai ser rápida, pois o combate não foi um remake e nem uma releitura mecanicamente. Eles construíram algo totalmente novo. O que é compreensível pois um jogo de 1997 não se pode jogar da mesma forma em 2020.

Eles remodelaram o sistema ATB para se adequar em um gameplay que se parece uma fusão entre turno e ação. Acredito que foi o melhor sistema que poderia ter sido desenvolvido para esse jogo. 

A última comparação a ser feita é o Level Design. Ainda que o jogo esteja inegavelmente mais bonito, tanto o original quanto o remake temos a sensação de estar em um corredor. A diferença é que no original isso foi feito em razão de uma limitação de hardware, no novo a sensação se torna evidente e nenhuma hora eles tentam usar de artifícios para parecer que não estamos em um corredor, o que parece um descaso, pois não se tem a mesma desculpa.

Fonte: Square-Enix

CONCLUSÃO

Pela clara mudança de personalidade dos personagens, foco micro no desenvolvimento de personagem em oposto a história geral, pacing de menos urgência e adição a um elemento (murmúrios) novo que pode alterar o rumo do jogo completamente, releitura.

Acredito que o jogo se classifica como uma releitura do original, que se fixa na afirmação que a experiência de se jogar ambos é completamente diferente. Essa conquista mantém velhos jogadores jogando algo novo ao mesmo tempo que respeita o original.


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